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Três perguntas para Tatiana Prazeres

Saber Cooperar: Qual dica você dá para as cooperativas que querem chegar ao mercado externo?

Tatiana Prazeres: O principal conselho que eu tenho para aqueles que querem buscar o mercado externo é planejamento. Isso envolve avaliar quão prontas para exportação as cooperativas estão. E isso, por sua vez, envolve definir os mercados prioritários, entender quem são os concorrentes, conhecer as barreiras tarifárias, qual é o imposto de importação que se aplicaria a esse produto. Saber também quais são as barreiras não tarifárias, por exemplo, que podem ser embalagens, exigências. E descobrir as melhores formas de fazer promoção comercial no mercado definido como prioritário. Isso requer inteligência comercial e investimento. A notícia boa é que há parcerias com que as cooperativas podem contar para viabilizar esse esforço — incluindo ao OCB, a Apex e outros. 

Saber Cooperar: Ainda há a possibilidade de ampliar a participação brasileira no mercado chinês?

Tatiana Prazeres: Certamente, a China é o segundo país que mais importa no mundo, importa muitos produtos e produtos muito diversificados. Além de importar muito, é um mercado que cresce muito, é muito dinâmico. Então, as oportunidades são maiores, mas, ao mesmo tempo, é um mercado mais difícil porque é menos conhecido, aí requer um investimento mais alto. É evidente que a China ainda tem um potencial muito grande a ser explorado por exportadores brasileiros, apesar de já ser o principal destino de exportação do Brasil há mais de uma década. Há muito espaço ainda, porém o desafio clássico do Brasil nas exportações para a China é diversificar a pauta de exportação, agregar mais produtos e fazer com que eles sejam de maior valor agregado. 

Saber Cooperar: Quais erros mais comuns os exportadores brasileiros devem evitar para começar?

Tatiana Prazeres: Um dos erros mais comuns é tratar a exportação como algo ocasional. É você se preparar para fazer uma venda, mas não ver aquilo como parte de uma estratégia mais ampla, que requer investimento e planejamento. Então, você vende agora porque o câmbio é bom, porque surgiu uma oportunidade, mas você não se prepara para fazer aquilo se tornar parte da estratégia da empresa. Isso não funciona. Um outro erro muito frequente é a falta de planejamento das empresas, o fato de que às vezes elas não recolhem todas as informações necessárias para fazer esse processo e acabam se deparando com situações imprevistas e que fazem com que a experiência da exportação não seja bem-sucedida e não valha a pena.


Esta matéria foi escrita por Fábio Fleury e está publicada na Edição 35 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação


No caminho da exportação



Dilvo Casagranda, diretor de exportações da Aurora



Há pouco mais de uma década, a Coopercentral Aurora já era uma das principais cooperativas agropecuárias do Brasil e mantinha um volume constante de vendas para o exterior. Mensalmente, cerca de 300 contêineres de carnes suínas e de frango eram enviados para fora do país. 

No início dos anos 2000, nós vínhamos exportando cerca de 8 mil toneladas mensais. Era um bom volume, mas andávamos de lado, sem grandes aumentos”, relembrou o diretor de exportações da Aurora, Dilvo Casagranda.

Uma mudança de posição estratégica, em 2010, fez a cooperativa dar um salto. A decisão foi simples: ampliar a participação no mercado externo. Para isso, entretanto, eram necessários alguns passos extremamente cautelosos e bem dados. O primeiro deles foi o planejamento. Segundo Casagranda, foi preciso responder três questões básicas: onde a cooperativa está; para onde quer ir, e como chegar até lá.

Conhecer os pontos fortes da organização e suas vantagens competitivas era fundamental, mas também era preciso estar atento a um diálogo aberto com o governo e entidades ligadas à importação.

Essa parte é crucial, porque muitas coisas não dependem de você. A interação com entidades governamentais é inevitável porque você não manda o produto sozinho; se não houver acordo comercial com os países, aprovação ou habilitações você não vai chegar lá. Tudo isso tem que estar delineado e muito bem planejado, todos têm de estar envolvidos”, frisou.

Como exemplo, Casagranda contou como foi o processo que levou a Aurora a exportar carne suína para o Japão em 2017. “Havia uma abertura nesse mercado. Nós não participávamos até então, e houve uma decisão estratégica de fazer essa entrada. Fomos até as fábricas conversar, explicar para quem embalava os produtos qual era o destino e a importância de cada um deles”, recordou.


“A qualidade do produto também é essencial, você precisa ter um produto de qualidade. Não podemos pensar em ir para o mercado e vender o que temos em mãos. Temos que vender aquilo que o mercado demanda, atender às condições, e atender com qualidade”, acrescentou. 

Hoje, os produtos que vão para o mercado japonês são colocados em embalagens exclusivas, desenvolvidas com conceitos emprestados da arte das dobraduras, os origamis.

Casagranda cita também a necessidade de observar e respeitar questões culturais e de relacionamento.

É preciso conhecer os aspectos culturais de cada local, entender hierarquização social, ter paciência. Você não vai vender carne suína nos países árabes, por exemplo. Por isso, temos um catálogo de exportação para atender mercados árabes sem carne suína. Já quando você lida com o Japão, tem que ter uma dose de paciência. É normal, depois de duas horas de reunião, quando você espera uma resposta, o diretor levantar e falar ‘obrigado, na próxima acertamos’, isso faz parte”, alertou.

Ano após ano, os mercados e números foram se ampliando e, hoje, o volume exportado pela Aurora é quase sete vezes maior. “Houve um crescimento a partir de 2010 e em julho de 2021 fechamos 54 mil toneladas no mês, isso equivale a mais de 2 mil contêineres. Isso partiu de uma decisão estratégica em 2010 e uma canalização de esforços, foi um divisor de águas”, contou.

Casagranda destacou que a Aurora exportou mais de 291 toneladas de alimentos para 80 países, apenas entre janeiro e junho de 2021. A maior parte dos produtos foi para a China, mas o diretor deixou uma dica que pode ser importante para cooperativas que queiram buscar o mercado internacional: “Temos que também estar de olho na África, que vai dobrar de população, para dois bilhões até 2050 e ser quatro bilhões até 2100”.

Hoje, o mercado africano é o sexto maior importador dos produtos da Aurora, com pouco menos de 5% do volume. China (40,5%), Ásia (13,9%), Américas (11,5%), Oriente Médio (10,84%) e Japão (10,25%) são os principais destinos, ou seja, há muito mercado para conquistar no continente.

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Esta matéria foi escrita por Fábio Fleury e está publicada na Edição 35 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação


Como fazer negócios com o mundo

Se o melhor remédio para sair da pandemia é a vacinação, um dos melhores remédios para a recuperação de uma crise econômica pode estar na exportação. De janeiro a julho de 2021, as vendas brasileiras para o exterior cresceram 35,3% em relação ao mesmo período de 2020, com um resultado total de US$ 161,42 bilhões.

Um dos motores para esse crescimento foi o agronegócio. Sozinha, a soja respondeu por pouco mais de 17,8% das exportações brasileiras (cerca de US$ 28 bilhões em valor de vendas), e um crescimento de 23,79% em relação ao total negociado no ano passado, O açúcar, com 22,27% de crescimento e US$ 4,08 bi em vendas, e os farelos de soja e outros alimentos, com aumento de 29,28% e US$ 3,68 bi, também tiveram um papel importante.

Os resultados são animadores, mas ainda há muito espaço para crescer, especialmente no cooperativismo.

O coop é um modelo que já deu certo e tem um enorme potencial quando a gente olha os próximos 15, 20 anos, não apenas na agricultura, mas também na saúde, no crédito, em outros modelos, como as cooperativas de catadores e recicladores, e outras”, disse o engenheiro agrônomo Marcos Fava Neves, um dos convidados da Semana ConexãoCoop, realizada pelo Sistema OCB, em julho, para discutir novos caminhos para o ecossistema cooperativista. 

Criador do site Doutor Agro e professor da USP de Ribeirão Preto, Neves destacou a importância das cooperativas agrícolas para o mercado internacional e mostrou a evolução dos números das exportações do agronegócio nos últimos 20 anos. Segundo ele, nesse período, o total de exportações cresceu quase cinco vezes — de US$ 20,5 bilhões para US$ 100,7 bilhões —, uma demonstração clara de como a relação do Brasil com os diversos mercados foi se alterando.

NEGÓCIO DA CHINA

Neves destacou também a mudança nos mercados que consomem os produtos brasileiros.

O país só vendia cerca de US$ 500 milhões para a China em 2000; em 2020, vendemos US$ 34 bilhões. A União Europeia e os Estados Unidos representavam de 52% a 55% de tudo que a gente vendia. Naquela época, em todas as reuniões, as reclamações do empresariado eram sobre o protecionismo desses mercados”, relembrou.

Os mercados europeu e norte-americano continuam importantes, mas o total de vendas para ambos não chegou a dobrar — passando de US$ 11,1 bilhões, em 2000, para US$ 21,9 bilhões, em 2020. Diferentemente, as vendas para o mercado chinês cresceram quase sete vezes em duas décadas.  

O professor destacou a importância de os produtores estarem atentos ao que ele chamou de “segunda China”, um conjunto de países que o Brasil pode mirar para ampliar suas vendas sem depender apenas do mercado chinês.

Esses países, todos com volume de exportação entre US$ 2,5 bilhões e US$ 1,29 bilhão cada, são: Japão; Coreia do Sul; Vietnã; Hong Kong; Turquia; Indonésia; Tailândia; Arábia Saudita; Bangladesh; Egito, e Emirados Árabes. 

O Reino Unido, 12º da lista, com pouco menos de US$ 1,3 bilhão, tem regulamentação semelhante à União Europeia e muito protecionismo. Os resultados dos seis primeiros meses de 2021 também mostram um grande crescimento de exportações brasileiras para o Irã — mais de 154%.

A ideia é fortalecer a nossa entrada nesses mercados e apresentar uma alternativa de crescimento à China”, explicou Marcos Fava Neves. 

Ele destacou ainda que, segundo o jornal Financial Times, há uma grande possibilidade de um novo ciclo de crescimento de commodities, e isso pode impactar na recuperação econômica brasileira.

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Livros digitais

Durante a Semana ConexãoCoop, o Sistema OCB lançou uma série de e-books para ajudar as cooperativas a se prepararem para ampliar sua atuação no mercado internacional. A série se chama Exportação para Cooperativas e os dois primeiros volumes, intitulados “Primeiros passos para exportação” e “Estratégia comercial e marketing para exportação”, já estão disponíveis para download.

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MOTOR ECONÔMICO

Também presente na Semana ConexãoCoop, a professora de Comércio Internacional na Universidade de Negócios Internacionais em Pequim, na China, Tatiana Prazeres, destacou a importância de as cooperativas e os investidores se familiarizarem com o mercado chinês e asiático como um todo. 

A Ásia é um dos motores da economia mundial e, em função disso, vêm as oportunidades. A China, em 2020, cresceu quando as outras grandes economias caíram; foi um dos países que mais atraíram investimento direto quando no resto do mundo o investimento diminuiu”, destacou Tatiana. 

Na avaliação da especialista, para quem quer abrir horizontes e crescer no mercado internacional, é impossível fugir desse mercado, mas é necessário ter preparo, ousadia e persistência. 

“Me preocupa um pouco quando se vê a Ásia como algo distante, exótico. Buscar o que é familiar e mais próximo não é o ideal. Hoje, a Ásia é inescapável e é importante encarar esse desafio. Isso requer preparação, requer investimento, ousadia e persistência. Nesse contexto, as cooperativas têm um papel importante de ajudar o produtor brasileiro a chegar a esses mercados. Exportar por meio de cooperativas ajuda a reduzir os custos, mitigar riscos e preparar melhor o produtor e as empresas”, explicou.

Segundo Tatiana, o perfil populacional da China vem evoluindo de uma maneira que traz oportunidades duradouras ao mercado. O último censo, divulgado em 2020, mostrou que a população em áreas urbanas cresceu de 50%, em 2010, para 64%. Em termos absolutos, isso significa quase 900 milhões de pessoas vivendo nas cidades chinesas — e os números ainda podem crescer.

Há um importante aumento na classe média na China, com crescimento da renda per capita, Isso traz também novos hábitos de consumo, cria uma demanda por alimentos importados, valorização de marcas. Na compra de alimentos, o fator mais importante para eles é a segurança alimentar, seguida de perto pela qualidade. Sabor, marca e preço vêm depois”, relatou.

Uma oportunidade interessante, na opinião dela, é que os chineses já consomem muitos alimentos brasileiros — cerca de 18% do que a China compra vem daqui —, mas não sabem, não os conhecem. Isso acontece porque muitas vezes os produtos são exportados como insumos e essa origem se perde no momento do processamento. Os alimentos chegam até a casa dos consumidores sem nada que os ligue ao Brasil.

“Isso, na verdade, é uma oportunidade, uma tela em branco. Os chineses valorizam muito os alimentos vindos de fora e o Brasil, como país, tem uma boa imagem aqui. Aproveitar essa abertura requer investimento, mas é possível; requer uma promoção comercial bem feita e bem adaptada. Um bom exemplo é o das cerejas chilenas. O Chile costumava priorizar os Estados Unidos para vender suas cerejas, mas, em um dado momento, começou a posicioná-las como um produto ‘premium’ no mercado chinês e hoje é um produto que as pessoas compram para dar de presente a amigos e familiares”, contou.

Com quase um bilhão de usuários, o comércio eletrônico também é uma porta de entrada importante para o mercado chinês. Nos próximos dez anos, de 30% a 35% das importações chinesas serão realizadas por meio de e-commerce, índice que deverá subir para até 55% no caso dos alimentos. A especialista ressaltou, entretanto, que o “ecossistema digital” da China é diferente do que estamos acostumados no Brasil, com sites e redes sociais próprias, e requer mais estudos para apostas de negócios.


Esta matéria foi escrita por  Por Fábio Fleury e está publicada na Edição 35 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação


Gestão: 10 passos para implementar uma cultura de dados na sua coop

Um estudo divulgado em fevereiro de 2020 pelo professor e pesquisador americano David Waller, na Harvard Business Review, elenca os 10 passos para criar uma cultura orientada por dados em qualquer organização — do RH à comunicação, passando pelo atendimento à produção. São eles:

  1. A cultura orientada a dados começa (lá) de cima: tal qual qualquer grande mudança na cultura empresarial e corporativista, os líderes precisam dar o exemplo e incentivar essa mudança.
  2. Selecione métricas de forma cuidadosa e inteligente: antes de analisar os dados, é preciso definir o que se busca fazer com eles e de quais deles irá precisar.
  3. Não isole os seus cientistas de dados: o profissional de dados, seja o analista ou o engenheiro de dados, precisa estar por dentro do que está acontecendo no dia a dia da cooperativa. Para isso, não pode trabalhar isoladamente, em uma sala longe da linha de produção.
  4. Resolva com agilidade problemas básicos de acesso de dados: voltamos novamente para a transparência e democratização dos dados. Aqui, evite ao máximo a burocracia para liberar os dados para os analistas. Quanto mais rápido for disponibilizado e maior o número de dados, melhor.
  5. Esteja ciente do nível de incerteza: trabalhar com dados significa ter um nível de assertividade maior nas tomadas de decisões. No entanto, assim como acontece nas pesquisas eleitorais, por exemplo, saiba que sempre existirá uma margem de erro, por menor que seja.
  6. Prefira as provas de conceitos simples e robustos, não as extravagantes e frágeis: você possui ideias mirabolantes do que quer fazer com os dados? Ótimo! Mas comece do mais simples e desenvolva com o tempo.
  7. Ofereça treinamento especializado no momento certo: treinar uma equipe para trabalhar com dados requer tempo, pois o número de informações aprendidas será enorme. Então, não adianta treiná-los agora se não for utilizar esse conhecimento! 
  8. Utilize inteligência analítica para ajudar os colaboradores: a cultura baseada em dados é essencial para otimizar os processos também dentro da cooperativa, não somente para o cliente final. 
  9. Esteja disposto a trocar flexibilidade por consistência — pelo menos, em curto prazo: a cultura de dados inicial pode trazer certas inconsistências; por isso, será necessário manter a rigidez e a padronização dos processos.
  10. Crie o hábito de explicar as escolhas analíticas: as soluções baseadas em dados podem ser feitas por uma infinidade de caminhos, mas é sempre recomendável explicar quais foram as decisões tomadas e o porquê para os colaboradores. 

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Dicionário de dados

A tecnologia tornou-se essencial para alavancar os negócios de qualquer organização, e as cooperativas não estão fora disso. Para conhecer um pouco mais sobre a cultura de dados e como ela pode ajudar a sua organização a dar o passo que faltava, a Revista Saber Cooperar separou os principais termos usados nessa área. Confira abaixo:

  • Big Data: enormes conjuntos de informações coletadas em grandes bases de dados para depois serem processadas e analisadas pelos cientistas ou analistas. Podem ser toda e qualquer informação: números, nomes, cores, entre outros. 
  • Machine Learning: é um conjunto de técnicas computacionais que visam utilizar dados para a elaboração de algoritmos que possam aprender padrões de forma independente. Permite que os computadores consigam aprender sozinhos a tomar decisões.
  • Data Science: a ciência de dados diz respeito a tudo relacionado à cultura dos dados, desde a coleta, passando pelo processamento e pela análise, até a visualização da informação. 
  • Data Analytics: a análise de dados faz parte da ciência de dados e é uma das etapas mais importantes. Afinal, sem uma análise correta do Big Data, os dados são apenas um amontoado de informações sem relação entre si. 
  • Business Intelligence (BI): traduzido como Inteligência de Negócio, é saber utilizar os dados para tomar as melhores decisões para o negócio.
  • Internet of Things: a Internet das Coisas, como é popularmente conhecida no Brasil, está cada vez mais difundida pelo mundo. Usando grandes bases de dados, essa tecnologia conecta à internet todos os apetrechos e utensílios do dia a dia, como relógio, óculos, veículos e até geladeiras.
  • LGPD: a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais é imprescindível para quem busca trabalhar com cultura de dados. Em vigor desde agosto deste ano, a lei diz respeito aos tipos de dados que as empresas de pequeno, médio ou grande porte podem armazenar. 

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Esta matéria foi escrita por Renato Crozattie está publicada na Edição 35 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação


O novo petróleo

Na atual economia, não há espaço para decisões importantes com base em intuição e achismo. Para quem quer ser relevante e ter espaço no mercado, é preciso adotar medidas certeiras, baseadas em informações estratégicas. E o “culpado” disso tudo é um só: a cultura dos dados! 
“[Vivemos] novos tempos, em que temos internet, big data e inteligência artificial”, afirma o arquiteto de software e professor do Instituto de Gestão e Tecnologia da Informação (IGTI) Ângelo Assis. “Temos um potencial que está transformando o mundo muito rápido. Não podemos tomar as decisões com base nas intuições que sempre tivemos. Temos que olhar o que está acontecendo, o que aconteceu no ano passado ou mesmo no primeiro semestre deste ano”, destaca

Ângelo Assis, arquiteto de software e professor do Instituto de Gestão e Tecnologia da Informação (IGTI)




Se durante a primeira e a segunda Revoluções Industriais, o petróleo foi essencial para o desenvolvimento das indústrias e da sociedade como um todo, hoje temos um novo “combustível”. “Dados são o novo petróleo”, cunhou o matemático londrino Clive Humby, ao se referir à nova economia digital. E ele não estava errado.

Mas, assim como o petróleo precisa ser refinado para poder ser utilizado como combustível, os dados também precisam passar por um processo similar.

Big Data sem gerar valor é apenas um amontoado de dados”, afirma Ângelo Assis.

O desafio é trabalhar os dados com inteligência e, a partir da sua combinação ou cruzamento, gerar informação relevante, estratégica, de alta performance, e, sobretudo, potencializar resultados e dar segurança para a tomada de decisão.

Engana-se quem pensa que dados são importantes apenas para indústrias ligadas a informática e tecnologia. Eles podem (e devem) ser aplicados no modelo cooperativista. 

A superintendente do Sistema OCB, Tânia Zanella, destaca a importância do engajamento das cooperativas e dos cooperados para a transformação digital do setor, essencial para o futuro do cooperativismo.

Essa cultura de dados, através da transformação em ferramentas, agrega muito valor às cooperativas e, consequentemente, a todos os cooperados brasileiros”, diz.

INOVAÇÃO COM PROPÓSITO

O uso de dados pelo cooperativismo pode servir a inúmeros propósitos, entre eles, ajudar a solucionar problemas corriqueiros, do dia a dia dos cooperados. Um exemplo recente e premiado é o da Unimed Belo Horizonte. A filial mineira do sistema de cooperativas médicas inovou, em 2019, ao desenvolver um sistema inédito com a Kunumi, principal startup de inteligência artificial do Brasil. 

Os cientistas da Kunimi, com a área de Tecnologia da Informação da Unimed-BH, desenvolveram uma inteligência artificial para analisar e autorizar ou negar exames médicos com base no histórico e em outros dados dos pacientes. O que antes era feito manualmente por um time de médicos, que passava horas lendo e assinando papeladas intermináveis, hoje é automatizado por uma Inteligência Artificial (IA) — Artificial Intelligence, em inglês — desenvolvida por meio do machine learning

Imagine os médicos estudando tanto tempo para ficar somente assinando papel? É um uso de inteligência artificial que é super nobre”, diz Ângelo. 

O projeto rendeu à cooperativa o 1º lugar na categoria saúde e o 5º lugar geral no prêmio As 100+ Inovadoras no Uso de TI 2019

O uso de dados e inteligência também pode ajudar a dar escala ao negócio e aumentar tanto a produtividade quanto a eficiência da cooperativa. É o caso da Cocamar, de Maringá (PR), que fez uma parceria com o HUB de Inteligência Artificial do Senai no estado. Juntos, eles desenvolveram uma tecnologia capaz de capturar imagens de amostras de grãos de soja, extrair informações e treinar um algoritmo, por meio do aprendizado de máquinas, para monitorar o nível de acidez e concentração de clorofila. Dessa forma, a IA seleciona os melhores grãos de soja para oferecer ao produtor. 

O processo de classificação dos grãos é crucial na negociação da produção agrícola. É por meio dessa classificação que os grãos são avaliados para compor o preço de compra que a Cocamar oferecerá ao produtor. Com a transformação desse processo, que hoje é parcialmente manual, para a classificação por imagens utilizando a Inteligência Artificial como ‘cérebro’ da operação, o objetivo é ganhar agilidade”, explica Guilherme Bulla Zago, especialista de projetos da Cocamar. 

Outro uso mais comum de dados no cooperativismo são os chatbots, atendentes virtuais presentes nos portais do Sicredi, Sicoob e de diversas outras cooperativas no Brasil. Ao alimentar a ferramenta com um grande banco de dados, é possível fazer a máquina aprender e se comunicar com o usuário do site — e o melhor de tudo, de forma bastante informal. 

Alice, atendente virtual do Sicoob

O Sicredi tem o Theo como atendente virtual desde 2018; o Sicoob tem a Alice, que, no ano passado, ganhou até um rosto próprio! 

TRANSPARÊNCIA E DEMOCRATIZAÇÃO

Dados evidenciam o nível de performance da organização, o produto que vende ou deixa de vender e o desempenho de outras empresas do ramo. Todas essas informações dão embasamento para a ação e, em um mundo competitivo, abrir mão desses dados é inaceitável. Em algumas organizações, entretanto, há barreiras culturais que precisam ser sobrepostas.

Na avaliação do professor Ângelo Assis, que participou da Semana ConexãoCoop, para uma cultura de dados realmente efetiva, é importante manter a transparência e disseminar as informações com rapidez, seja entre os cooperados, empregados ou mesmo entre outras cooperativas — desde que não sejam sigilosas, claro. “A democratização dos dados é um dos princípios da indústria 4.0”, explica.

A cooperação descentralizada favorece muito, faz com que mais pessoas analisem os dados e pensem mais ao mesmo tempo.” relata Ângelo.

Ele reitera que a falta de transparência pode alimentar o individualismo, um dos erros mais comuns entre as organizações que buscam investir em uma cultura de dados. “Os dados são de todos e para todos. Como faço uma análise de dados com tanta burocracia?”, reflete.

Outros equívocos destacados pelo professor se referem à tomada de decisões (jamais decida algo importante baseado somente em intuição e achismo: “Analise os dados e depois tome a decisão”), ao trabalho com dados obsoletos (“O mundo muda muito rápido! Com a pandemia, mais rápido ainda. Tem que usar dados atualizados!”) e à falta de investimento. 

CRESCIMENTO ORIENTADO

Além de incentivar as cooperativas de todo o Brasil a expandir fronteiras e investir na cultura de dados, o Sistema OCB aposta em informações estratégicas para a consolidação do modelo e para o crescimento do setor. 

O cooperativismo vem construindo uma credibilidade por suas ações, atitudes e entregas. A base disso é a informação”, afirma o presidente do Sistema OCB, Márcio Lopes de Freitas, destacando a importância de produtos como o Anuário do Cooperativismo Brasileiro 2021 “É para sabermos quem somos, quantos somos, como somos e o que estamos informando. Se não temos essa informação boa, saudável, legítima e correta, não temos condições de desenvolver nossa missão”, completa.

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Como chegamos na indústria 4.0?

Desde o século XVIII, o mundo passou por uma de suas primeiras grandes transformações. Entre 1760 e 1840, os países começaram a se industrializar devido à Revolução Industrial que acontecia na Inglaterra. Os centros urbanos cresceram com o surgimento das primeiras máquinas a vapor e, consequentemente, a criação dos maquinários têxteis, para a fabricação de roupas. 

Entre 1850 e o começo da Segunda Guerra Mundial, começou o que ficou conhecido como a Segunda Revolução Industrial. Nesse período, foram aprimoradas as técnicas de produção e surgiram novas máquinas graças ao uso de aço, eletricidade e petróleo pelos grandes centros urbanos — que se expandiu para as regiões rurais em todo o mundo. 

Durante esse período foram criadas as primeiras cooperativas do Brasil, com a Sociedade Cooperativa Econômica dos Funcionários Públicos de Ouro Preto (MG), em 1889, e as cooperativas de crédito do Rio Grande do Sul, em 1902. 

Após a Segunda Guerra Mundial, graças à globalização, às telecomunicações, à informática, à robótica e à genética, ocorreu a Terceira Revolução Industrial, automatizando o processo produtivo em larga escala. 

Atualmente, graças ao avanço da tecnologia, principalmente ligada à internet, inteligência artificial e ao número exorbitante de dados disponíveis, vivemos a Quarta Revolução Industrial — ou, como ficou conhecida, Indústria 4.0. 

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Esta matéria foi escrita por Renato Crozatti e está publicada na Edição 35 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação


De olho no amanhã


Em meio a uma programação repleta de oportunidades e ideias para que as cooperativas ampliem sua atuação e inovem cada vez mais, foi lançado o estudo Coop de Olho no Futuro: Tendências de mercado diante de um novo mundo, uma parceria da OCB com o Instituto Superior de Administração e Economia (ISAE). O objetivo é que cooperativas de todos os ramos e partes do país possam ter acesso a informação de qualidade que ajude na tomada de decisões e no desenvolvimento da cultura de predição e inovação. 

O estudo aborda aspectos importantes da cultura de monitoramento, análise e interpretação das transformações que estão acontecendo e as projeta em um futuro. Além disso, traz um levantamento sobre as tendências locais e globais que deverão impactar os mercados e a sociedade nos próximos anos, além de apontar mudanças que já estavam em curso e foram aceleradas em razão da pandemia.

Essa primeira parte do estudo aborda as principais forças estruturantes, ou megatendências, que impactarão os mercados ao redor do mundo. “São as mudanças imparáveis. Forças que surgem e já vêm há muitos e muitos anos acontecendo, mas vão ganhando velocidade e se tornam grandes desafios estruturantes do nosso modo de vida. Elas alteram as prioridades da nossa sociedade e são as grandes impulsionadoras das inovações”, explica Paula Abbas, uma das autoras do estudo e professora de design thinking e inovação do ISAE.

As forças estruturantes citadas no estudo são organizadas a partir de cinco principais vetores: demográfico; econômico; social; ambiental, e tecnológico. No vetor demográfico, por exemplo, o trabalho explica como tendências já consolidadas, como o envelhecimento populacional, impactarão o mercado de bem-estar, saúde e tecnologia, além de se tornarem um desafio para governos. 

No vetor social, o estudo aponta como alguns valores emergem com mais força nos últimos anos e devem ser levados em conta nos negócios, como a questão racial, o empoderamento feminino e o forte impacto da pandemia na saúde mental das populações. Por menor ou mais tradicional que seja a sua cooperativa, um olhar atento para o futuro pode ser chave para a sobrevivência do negócio. 

No caso do ramo agro, por exemplo, seja o pequeno ou grande produtor rural, ele precisa compreender quais são os desafios do mundo. Nós teremos desafios de recursos energéticos em um futuro muito próximo, desafios de alimentar toda a população que está crescendo, desafios de recursos hídricos, e precisamos entender de que forma o produtor pode ser um agente de otimização da cadeia”, exemplifica Paula. 

Na seção vetores tecnológicos, o estudo aponta os rumos de transformações importantes, como a digitalização, que foi acelerada pela pandemia; o uso crescente da inteligência artificial; o crescimento da preocupação com a segurança cibernética, e o fortalecimento das criptomoedas. 

Nos próximos meses, conteúdos complementares trarão insights direcionados a cada ramo do cooperativismo. O estudo está disponível para download gratuito


Esta matéria foi escrita por Amanda Cieglinski e está publicada na Edição 35 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação


Como será o amanhã?

Prever o futuro não é mais tarefa de astrólogos, cartomantes e videntes. Virou profissão e é uma atividade que pode ser muito importante para determinar o sucesso ou fracasso de um negócio — inclusive das cooperativas. O trabalho dos futurologistas e a cultura de predição foram alguns dos temas discutidos na Semana Conexão Coop. A mesa contou com importantes nomes da área que trabalham constantemente na busca por respostas que ajudem a prever como a sociedade vai se comportar a curto, médio e longo prazos — e os impactos dessas mudanças, cada vez mais aceleradas, nos diferentes mercados. 

O futurismo é um trabalho que busca explorar futuros alternativos, inclui desenhos de cenários, análise de movimentos científicos e tecnológicos capazes de transformar nossa sociedade. É um campo de pesquisa amplo em que a gente usa um misto de abordagens e métodos para compreender e nos aproximar das informações que possam apontar para futuros”, explica Paula Abbas, pesquisadora de tendências e professora de design thinking e inovação do Instituto Superior de Administração e Economia (ISAE).

Ela é uma das autoras do estudo Coop de Olho no Futuro: Tendências de mercado diante de um novo mundo, que foi lançado durante o evento. Ela falou aos representantes de cooperativas sobre a importância da “alfabetização em futuros”, considerada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) uma habilidade essencial para se adaptar ao Século XXI. Trata-se da capacidade de compreender melhor o papel que o futuro vai desempenhar naquilo que as pessoas veem e fazem no presente. 

Paula Abbas, futurologista

Profissionais como a Paula não trabalham com bola de cristal, mas se dedicam a estudar pesquisas de diversos campos do saber para analisar os movimentos da sociedade, em diferentes áreas, seja na tecnologia, na economia ou no comportamento das pessoas. São informações que podem mudar a forma de enxergarmos nossa atuação enquanto cooperativa, e até mesmo o futuro do próprio cooperativismo.

Isso vai se realizar? Esse é um dos grandes questionamentos que vêm quando pegamos um estudo de tendências. O propósito é imaginar futuros, se tornar capaz de compreender para que direção a nossa sociedade, que é dinâmica, está caminhando. Para que a gente possa conseguir propor alternativas estratégicas para futuros desejáveis”, aponta. 

Paula sempre fala de futuros, assim mesmo no plural, porque eles dependem da nossa habilidade em analisar cenários e a capacidade de intervenção. Eles podem ser possíveis, prováveis ou desejáveis. “Não temos nenhum tipo de bola de cristal, mas uma quantidade de dados quantitativos e qualitativos que nos mostram as mudanças que estão acontecendo na nossa sociedade, no meio ambiente, no pensamento das pessoas, nas tecnologias e que causam um impacto sistêmico”, indica. 

INOVAÇÃO NA UNIMED

Para entender como o trabalho de pesquisa de tendências funciona na prática de uma cooperativa, o painel contou com a participação da Unimed-BH, cooperativa que tem trabalho reconhecido na área de inovação.  

Em 2014, a organização criou um Centro de Inovação para fortalecer e disseminar essa cultura dentro da cooperativa. O centro mantém uma equipe permanente de análise de tendências, promove eventos internos e externos, e parcerias com instituições de pesquisa. Por essa razão, a telemedicina, que passou a ser utilizada em larga escala durante a pandemia do novo coronavírus, já estava no radar da Unimed BH há alguns anos. 

Rafael Paolinelli, gerente de inovação e convergência da Unimed BH

Apenas três dias após a declaração da pandemia e a autorização para realização de consultas on-line, nós já estávamos operando o sistema. Por meio da teleconsulta, fizemos mais de 451 mil consultas on-line, é um público que foi retirado do serviço do pronto-atendimento. A gente salva muitas vidas com essa plataforma, porque seriam possíveis 451 mil clientes com algum sintoma, circulando pelas ruas”, explica Rafael Paolinelli, gerente de inovação e convergência da Unimed BH.

Justamente pelo trabalho de análise de tendências, a cooperativa já estava apostando no formato de consultas on-line e um projeto-piloto operava desde 2018. Com isso, a equipe teve condições de colocar uma solução no ar em um curto espaço de tempo no momento em que a pandemia foi deflagrada. Outra “coincidência” foi que o último grande evento presencial do Centro de Inovação da cooperativa discutiu, justamente, o futuro da telemedicina, no início de em março de 2020. Havia, inclusive, a previsão de palestrantes internacionais, que tiveram que participar a distância — o primeiro evento híbrido da cooperativa, antes mesmo de a pandemia surgir com força.

Isso só foi possível porque a gente estava com uma equipe interna estudando futuros e cenários que tínhamos pela frente e sabíamos que precisávamos falar de telemedicina, mesmo ainda em um cenário desfavorável para aplicação com o cliente, mas sabíamos que era uma tendência”, afirma Paolinelli. 

Desde o início da pandemia, o serviço de telessaúde da Unimed BH foi ampliado, com a oferta de outras especialidades, mesmo não relacionadas à Covid-19. Atualmente, a média é de três mil atendimentos diários de telemedicina. Além desse projeto, o Centro de Inovação é responsável por iniciativas que reduzem custos e ampliam a capacidade de atendimento ao cliente por meio do uso da inteligência artificial. 

O diretor administrativo da Unimed-BH, Eudes Magalhães, lembra que a telemedicina já era adotada de maneira intensiva em diversos países e as experiências mais arrojadas no Brasil começaram na década de 1990. A aposta, agora, é que ela siga em franca expansão.

Eudes Magalhães, diretor-administrativo da Unimed-BH


“A pandemia acelerou uma discussão que já estava em curso sobre a evolução da prática, impulsionou o uso em massa e também demonstrou que o país já tem recursos tecnológicos e de segurança digital que conseguem suportar essa expansão, criando garantias de que este é um modelo que veio para complementar e aprimorar o trabalho dos profissionais de saúde, bem como criar alternativas que vão sofisticar o vínculo e a interação com pacientes daqui para a frente”, acredita.

MAPEAR TENDÊNCIAS

A futurologista Letícia Setembro destacou que a pandemia enfatizou muito a “ansiedade pelo futuro” e a “dificuldade de enxergar o caminho” para todos os tipos de empresas. Segundo ela, o exercício de desenhar futuros ainda é novo, mas deve ser encarado por todas as organizações, independentemente do tamanho.

Letícia Setembro,sócia-diretora da IF Futures.

Uma das grandes vantagens desse trabalho permanente de mapeamento é, justamente, tentar identificar oportunidades e riscos para o negócio a curto, médio e longo prazos. “A gente não vai vencer todas, porque não somos oráculos. Mas, ao tentar mapear a maioria dos possíveis caminhos, você começa a identificar mais oportunidades ou riscos do que você havia previsto e com isso desenha um mapeamento estratégico mais assertivo. Caso o seu cenário mais catastrófico aconteça, você já tem um plano de contingência. Ou, se caminhar para o seu melhor cenário de inovação, você já tem um plano de ação na manga”, aponta Letícia Setembro, sócia-diretora da IF.Futures e uma das autoras do estudo lançado pela OCB. 

Para os futurologistas, o surto sanitário mundial é considerado um wildcard: um evento que tem baixíssima possibilidade de acontecer, mas gera um grande impacto na sociedade. “Sempre me perguntam se nós já sabíamos do que aconteceria. A pandemia já estava no radar, mas não poderíamos apontar como, quando, nem com que velocidade ela aconteceria, tampouco quais transformações e decisões seriam tomadas frente a esses gatilhos”, afirma Paula.

Durante o painel, Letícia destacou que a cultura de predição se desenvolve dentro de uma empresa ou cooperativa a partir do momento em que há pessoas dedicadas, periodicamente, a acessar materiais de tendência e observar esses movimentos. Ela recomenda que as cooperativas criem um núcleo de inteligência ou inovação que possa funcionar como um radar, acompanhando as tendências para entender a velocidade com que elas caminham, quais devem receber uma atenção maior ou podem representar uma ameaça ao negócio. 

Um primeiro passo seria trabalhar — em workshops, por exemplo — os cenários de futuro. A partir deles, mapear oportunidades e riscos, e incluir esse detalhamento no planejamento estratégico da cooperativa. Por fim, manter o trabalho constante de monitoramento e avaliação das tendências para compreender se elas caminham conforme o esperado e quais devem ser os ajustes nas ações internas para acompanhar essa velocidade. 

Não é um trabalho simples, mas o importante é tirar os pontos cegos, priorizar e começar a fazer hoje o que você quer alcançar amanhã”, destaca. “A gente tinha uma ilusão de que o futuro era linear; gostaríamos que fosse por um caminho, mas a gente não tem controle. A pandemia veio comprovar isso, mas é algo que as empresas já deviam saber”, complementa. 

Paula destaca que há várias possibilidades de futuros e não precisamos ficar à mercê dos acontecimentos. Ao contrário, devemos procurar ser protagonistas. “A ideia do futuro desejável é justamente eu tomar ações no presente, para que eu possa construir ou protagonizar um futuro melhor para a minha organização, para a sociedade ou mesmo para mim, individualmente”, diz.  “A mudança é a lei da vida, nós mudamos o tempo todo. Quem está só olhando para o passado e apagando fogo no presente, certamente vai perder o futuro”, complementa.

A mudança é a lei da vida, nós mudamos o tempo todo. Quem está só olhando para o passado e apagando fogo no presente, certamente vai perder o futuro.” Paula Abbas, futurologista

Ao tentar mapear a maioria dos possíveis caminhos, você começa a identificar mais oportunidades ou riscos do que você havia previsto e com isso desenha um mapeamento estratégico mais assertivo. Caso o seu cenário mais catastrófico aconteça, você já tem um plano de contingência. Ou, se caminhar para o seu melhor cenário de inovação, você já tem um plano de ação na manga.” Letícia Setembro, sócia-diretora da IF.Futures. 


Esta matéria foi escrita  por Amanda Cieglinski e está publicada na Edição 35 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação


Cooperativas adotam estratégias da nova economia para aumentar as vendas

As cooperativas brasileiras não estão paradas; pelo contrário, estão com o pé no acelerador e têm adotado estratégias da nova economia para aumentar as vendas. Elas não esperaram ter um plano 100% perfeito, mas colocaram em ação boas ideias. A paranaense Cocamar, da agroindústria, ampliou a sua presença digital com um e-commerce; a paulista Coop, de consumo, apostou em um serviço de delivery; e a mineira Coopmetro ampliou a atuação no transporte para e-commerce com intercooperação. 

AS TRÊS LIÇÕES DA COCAMAR (PR)

Com a chegada da pandemia, a Cocamar Cooperativa Agroindustrial — que nasceu em 1963, no Paraná — agiu rápido para não ficar para trás e investiu recursos para adaptar e amadurecer a iniciativa de implementação do e-commerce (www.lojacocamar.com.br)

Com as vendas pela internet, a cooperativa entendeu as necessidades dos cooperados e clientes, e ampliou a capilaridade da atuação.

Na avaliação da gerente de marketing e comunicação, Cristiane Kondo — responsável pelo e-commerce —, a iniciativa tem como intuito preparar a cooperativa para o futuro. "A proposta de valor sempre foi pautada em entender para atender", afirmou.

Cristiane Kondo, gerente de marketing e comunicação

Ela conta que foram mapeados dois grandes públicos: o primeiro, ligado ao agro, é composto por cooperados, pecuaristas, produtores rurais e agricultores; e o segundo, classificado como clientes de consumo, é integrado por empresas com intuito de revenda, industrialização, transformação e consumo. 

Segundo Cristiane Kondo, a experiência de implementação da loja virtual continua sendo desafiadora, uma vez que o e-commerce mexe com todas as estruturas tradicionais da empresa. "Nós tivemos que entender essa nova dinâmica digital, quebrar paradigmas, testar e evoluir constantemente."

Com todo o esforço, a cooperativa contabiliza resultados surpreendentes. Houve, nas Lojas Cocamar, um crescimento consistente nas buscas; nos acessos e nas vendas mês a mês, superando todas as metas estabelecidas.

Isso gera um fortalecimento de marca, levando o nome da cooperativa para regiões em que atuávamos muito pouco, até então — como Santa Vitória do Palmar (RS), na fronteira entre Brasil e Uruguai, até cidades do Rio Grande do Norte." 

Responsável pela implementação do e-commerce, Cristiane Kondo destacou três grandes lições com o processo de inovação implementado: a importância de ter um time dedicado e multidisciplinar, capaz de conciliar a visão de futuro com a cultura da empresa; a necessidade de assumir riscos calculados:

se permitir errar para poder corrigir ainda mais rápido”; e, por fim, estar atento aos sinais de oportunidade que o mercado apresenta.

DELIVERY PARA OS CLIENTES E COOPERADOS DA COOP (SP)

Nascida em São Paulo, a COOP é uma rede de varejo colaborativo que ajuda o cliente a resolver tudo o que precisa num só lugar. São 32 unidades de supermercados distribuídas por 10 cidades; mais 77 drogarias espalhadas em 20 municípios do estado. Com 65 anos de história, é a maior cooperativa de consumo da América Latina. 

Em 2016, criaram o serviço Coop Retira (click & collect) e — até 2019 — os clientes faziam os pedidos dos produtos pela loja virtual, realizavam o pagamento e faziam a retirada da mercadoria na loja física, em um horário agendado. Mas, com o agravamento da crise sanitária e o endurecimento das regras de circulação de pessoas, a cooperativa foi obrigada a repensar suas operações e viu a necessidade de criar um sistema de entrega (delivery) para os seus cooperados. Assim nasceu o Coop Entrega.

Em menos de um mês, a cooperativa conseguiu colocar o delivery em operação, tanto nos supermercados quanto nas drogarias. Entre maio e agosto de 2020, ampliaram o hub de distribuição. Iniciaram o serviço em duas lojas em Santo André e uma em São José dos Campos; já em setembro, ampliaram para as mesmas praças do serviço de Coop Retira. E, no decorrer do ano passado, consolidaram as operações. Os números refletem o crescimento: somente em 2020, foram realizadas 2.100 entregas pelo Coop Entrega; este ano, só até julho, foram 8.200 entregas. O mesmo ocorreu com o Coop Retira. Em 2019, foram 1.960 pedidos; em 2020, um salto: 7.700. Até julho deste ano, os dados parciais apontavam 1.900 pedidos. 

Para o presidente da COOP, Márcio Valle, a aceleração da digitalização das operações de varejo foi uma das mudanças trazidas pela pandemia. O jeito cooperativista, entretanto, não fica de lado, e há uma presença ativa da equipe de funcionários nos canais digitais, o que possibilita um atendimento mais personalizado aos clientes, inclusive com ligações, sugestões e aconselhamento sobre compras e trocas de produtos.

É uma relação digital entre duas pessoas que, praticamente, estão interagindo 'fisicamente’ e fazendo compras juntas. Essa é uma oportunidade que nós conseguimos pelo nosso diferencial, por sermos cooperativa, por conta desse atendimento, que é o nosso DNA", comenta, ao falar que o calor da compra presencial ganhou uma nova forma com a transformação digital. 

INTERCOOPERAÇÃO COMO ESTRATÉGIA DE EXPANSÃO: COOPMETRO (MG)

A Coopmetro começava a implementar seu e-commerce quando a pandemia chegou ao país. Habituada com o transporte de cargas refrigeradas e secas (quando o produto não precisa de refrigeração), a cooperativa de logística mineira viu os pedidos de entrega acelerarem rapidamente com o crescimento das compras on-line

Para aumentar a capilaridade de atuação no mercado nacional e melhor atender os clientes, a Coopmetro investiu na intercooperação como estratégia de expansão e crescimento dos negócios. Nesse sentido, firmou acordos com várias cooperativas — entre elas, algumas de transporte de passageiros, como táxis, escolares, vans executivas, e cooperativas de transporte de cargas. 

O diretor da Coopmetro, Evaldo Matos, avalia que foi uma oportunidade de ajuda mútua entre as entidades.

Somos mais de 10 cooperativas parceiras neste grande projeto de expansão do e-commerce.

O crescimento possibilitou à Coopmetro atuar dentro de grandes plataformas de marketplace (entre elas, o Mercado Livre). Atualmente, fazem não só o transporte das mercadorias da empresa argentina, como também apoiam na elaboração de roteiro para os fretes; e fazem o armazenamento dos produtos. A realização da distribuição das encomendas do e-commerce nos grandes centros urbanos ocorre por meio das parcerias entre cooperativas. 

Evaldo Matos, diretor da Coopmetro

No ano passado, em plena pandemia, a Coopmetro cresceu 30%. Evaldo atribui essa ascensão não somente às demandas do e-commerce, mas também ao grande volume de entrega de alimentos aos supermercados e ao consumidor final. 

Atualmente, a Coopmetro conta — somente no e-commerce — com mais de 600 cooperados. O faturamento mensal com o frete de compras on-line é da ordem de R$ 2,5 milhões. “O segmento já representa mais de 10% de todo o nosso faturamento, de um total de R$ 20 milhões”, revela.  

Para Evaldo Matos, o cooperativismo de transporte é um grande parceiro da economia, tanto no cenário de pandemia quanto no arrefecimento do surto. A expectativa é de, até o final do ano, alcançar a marca de mil cooperados somente no frete relacionado ao e-commerce e dobrar o faturamento nesse segmento de entregas para R$ 5 milhões em 2022.

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SISTEMA OCB DISPONIBILIZA O CURSO VENDA MAIS A FÓRMULA PARA VENDER NAS REDES SOCIAIS

Confira as técnicas para montar boas estratégias de comunicação e vendas para a sua coop usando as redes sociais como ferramenta. Os interessados vão aprender: como gerar vendas; como usar as redes sociais para acelerar o crescimento do seu negócio; e como montar estratégia de vendas usando as redes. 

Para esse curso, o Sistema OCB convidou Eduardo Carvalho, especialista em redes sociais, campanhas e comunicação, que modelou o conteúdo para ser aplicado como estratégia de sucesso para as cooperativas.

A qualificação é oferecida gratuitamente aos profissionais de cooperativas regulares, por meio da plataforma EaD do site ConexãoCoop. Basta fazer o cadastro e mergulhar nas ferramentas e técnicas que podem alavancar o negócio das cooperativas. 

A maioria das decisões devem ser feitas com cerca de 70% das informações que você deseja ter. Se esperar até conseguir 90% na maioria dos casos, vai se atrasar.”, Jeff Bezos fundador e CEO da Amazon

Antes, ganhava quem tinha uma super ideia e um super planejamento; hoje, ganha quem aprende mais rápido, quem tem capacidade de adaptação: adequar o plano à medida que o cenário muda. E a pandemia trouxe isso como aprendizado.” Renato Mendes, professor do Insper

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Esta matéria foi escrita por Manuel Marçal e está publicada na Edição 35 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação


Digitalização e compartilhamento: novos caminhos

Diego Barreto, vice-presidente de Finanças e Estratégia do iFood

Líder no setor de entrega de comida na América Latina, o iFood é uma empresa brasileira fundada em 2011. Hoje, ela atua também na Argentina, no México e na Colômbia. Aberta como startup, a empresa de base tecnológica é considerada uma fintech e faz parte da nova economia. O que as cooperativas podem aprender com esses novos modelos de negócio? O que falta para que elas se destaquem no mundo cada vez mais competitivo? Confira algumas dicas no bate-papo com o vice-presidente de Finanças e Estratégia do iFood, Diego Barreto. 

Saber Cooperar: Qual é o seu contato com o ambiente das cooperativas?

Diego Barreto: Meu avô tinha uma fazenda em Uberaba, Minas Gerais, e eu ficava ali, ajudava ele a tirar leite e via essa relação. A figura da cooperativa para mim, nesse momento, é do pequeno produtor de leite, que tinha dificuldade grande para fazer a distribuição depois de tirar o leite e definir o preço. A cooperativa é muito importante para trabalhar com essa escalada. Meu avô, como produtor de leite isolado, não fosse a cooperativa, teria dificuldade para fazer essa negociação; isso tiraria tempo dele de trabalho na fazenda, por exemplo. Teria um poder de barganha pequeno e não conseguiria rentabilizar. A cooperativa, então, é importantíssima para permitir que um pequeno empreendedor, como o meu avô, tivesse um resultado final digno, de alguém grande. 

Saber Cooperar: O que o iFood tem a ver com as cooperativas?

Diego Barreto: A nova economia é baseada em interação e conectividade. Na prática, é uma replicação do que as cooperativas fazem, no ambiente empresarial. As empresas são lineares e as cooperativas são ecossistemas físicos. A cooperativa entende o que é montar um ecossistema. E é esse o nosso desafio do iFood. Nós conectamos restaurantes, entregadores, empresa de pagamentos, indústria… Tudo isso de forma digital. Não somos uma cooperativa no modelo econômico, mas no conceito de ecossistema. 

Saber Cooperar: E como as cooperativas podem aprender com esse modelo da nova economia?

Diego Barreto: As cooperativas podem aproveitar esse ativo que construíram ao longo do tempo, justamente esse ecossistema. A dificuldade que enfrentam, agora, é serem mais digitais, mais dinâmicas. Se olharmos para o ano 2000 e pensarmos 15 anos antes, quais empresas surgiram do nada e arrebentaram? A gente tem até dificuldade para lembrar. Se olhar de 15 anos para cá, temos iFood, 99, Nubank, Picpay, Loggi e diversas outras empresas, e isso por causa da digitalização, um processo que permite um surgimento muito mais fácil das novas empresas.  

Saber Cooperar: As cooperativas têm um tipo de interação entre si que fortalece esse ecossistema cooperativo. Esse aspecto, de colaboração e compartilhamento, tem mudado na relação entre as empresas? 

Diego Barreto: As empresas da nova economia têm uma disposição muito maior para trocar. Elas trabalham na estratégia de integração, de troca, de compartilhamento, muito maior que as empresas lineares. As APIs [conjunto de padrões que fazem parte de uma interface e que permitem a criação de plataformas de maneira mais simples e prática para desenvolvedores] com os dados dessas empresas, muitas vezes, são abertas, estão disponíveis. Então, existe um espírito que leva para isso. Mas ainda não dá para dizer que é uma tendência. 

Saber Cooperar: E qual é o desafio do iFood neste momento? 

Diego Barreto: O grande desafio do iFood agora é continuar se reinventando, compreendendo a mudança comportamental e o desejo do consumidor, e fazer disso uma realidade rápida, prioritária. Continuar sendo o que sobe a régua e não a empresa que precisa acompanhar quem está subindo a régua. O desafio é continuar a compreender essa sociedade, diversa e heterogênea, que tem pensamentos diferentes. 


Esta matéria foi escrita por  Por Lucas Pavanelli e está publicada na Edição 35 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação


Fortalecendo o ecossistema

A primeira vez em que Diego Barreto teve contato com uma cooperativa foi há uns 30 anos, quando ele ajudava o avô a tirar leite no curral na fazenda da família em Uberaba, a 481km de Belo Horizonte. A cidade, de 330 mil habitantes, é uma das maiores da região e se desenvolveu graças ao agronegócio. A presença de propriedades para a produção de cana-de-açúcar, algodão, milho, soja ou criação de gado para corte e leite contribui para o desenvolvimento de um ecossistema que influencia na indústria e nos serviços. O leite tirado na fazenda do avô de Diego, desde aquela época, é vendido com o de outros produtores rurais da região, por meio de uma cooperativa local. 

Era o clássico cenário ganha-ganha: o avô de Diego conseguia vender toda a produção sem muito esforço e com um preço melhor. E o comprador só precisava negociar o valor com a cooperativa, em vez de ter que bater na porta de diversos produtores para conseguir um volume de leite satisfatório. 

A cooperativa era importantíssima para permitir que um pequeno empreendedor, como o meu avô, tivesse um poder de barganha maior. Como produtor isolado, meu avô teria dificuldade grande para fazer a distribuição, definir o preço e conseguir um comprador. Teria que tirar o tempo dele da fazenda para isso”, explica Barreto. 

Hoje, Diego Barreto é vice-presidente de Finanças e Estratégia do iFood, uma empresa de base tecnológica que nada tem a ver com o modelo das cooperativas, certo? Não necessariamente. 

Segundo ele, o modelo de intercooperação, em que cooperativas se integram para resolver problemas e fortalecer o modelo de negócios baseado na cooperação, tem muito o que ensinar às empresas tradicionais. 

A nova economia é baseada em interação e conectividade. Na prática, isso é uma replicação do que as cooperativas fazem. As empresas são estruturas lineares, mas as cooperativas são um ecossistema físico.”

O modelo econômico em que empresas precisam construir todo um universo em torno delas para se desenvolver tem dado espaço à noção de ecossistema, que as cooperativas já conhecem muito bem. No caso do iFood, por exemplo, uma plataforma digital, como um aplicativo instalado no smartphone do usuário, é capaz de conectar restaurantes, entregadores, empresas de pagamento, indústria, entre vários outros segmentos, em uma única transação. 

“Não somos uma cooperativa no sentido do sistema econômico adotado, mas do ecossistema que precisamos montar para existirmos.”  

 COOPERAR E INOVAR

O processo de transformação digital dentro das cooperativas tomou corpo a partir do ano passado, quando a pandemia forçou uma mudança brusca nas relações não só de trabalho como de compra, venda e prestação de serviços. 

Foi o caso da Unifop, uma cooperativa de saúde localizada em Petrópolis, a 65km do Rio de Janeiro. De uma hora para a outra, a diretora-presidente Jociane Gatto viu as medidas de restrição fecharem os consultórios de seus cooperados, todos profissionais de saúde nas áreas de psicologia, nutrição e fisioterapia.

Sem as consultas presenciais, a Unifop se viu ameaçada, mas soube contornar as dificuldades de uma forma muito rápida. 

Não houve um planejamento, mas a necessidade de operacionalizar as atividades em formato diferente”, conta Jociane.

Segundo ela, em dois meses, o site da cooperativa estava no ar e os profissionais começaram a prestar consultas on-line por meio da plataforma.  

Para os psicólogos, a modalidade de atendimento remoto foi regulamentada em 2018 pelo Conselho Federal de Psicologia, mas foi a pandemia que tornou esse tipo de atendimento uma possibilidade real, tanto para os pacientes como para os profissionais da saúde. O que era uma adaptação para um momento singular se tornou um novo nicho de negócio. 

Está se mostrando, mesmo, uma tendência. Vamos continuar no modelo misto, já que há pacientes com dificuldade de se ambientar ao on-line, mas muitos outros preferem o atendimento remoto. Vemos hoje, como opção”, destaca. 

Para firmar ainda mais a consulta on-line como alternativa aos clientes, a Unifop, agora, investe em modificações para que seu site se torne mais funcional — e completo. De acordo com a diretora-presidente Jociane Gatto, o que é feito manualmente, com a ajuda de secretárias, será levado diretamente ao sistema digital, como o agendamento das consultas e o pagamento, além de uma plataforma própria para os atendimentos — do tipo Meet ou Zoom, que se tornaram ferramentas de trabalho durante a pandemia. 

As mudanças tecnológicas pelas quais a Unifop passou só foram possíveis graças a uma outra cooperativa, a Libre Code, que desenvolve soluções em software livre. 

Jociane conta que a Unifop tem cerca de 20 anos de existência e, nesse período, sempre contratou serviços de outras cooperativas, como também prestou serviço a outras entidades do mundo cooperativo. Na avaliação dela, a intercooperação fortalece o modelo econômico e o setor como um todo. 

Comecei a me aproximar e a construir uma relação mais forte com as cooperativas da redondeza. Agora, estamos olhando cada vez mais para fora. A impressão que tenho é que essa relação de intercooperação funciona como deve ser mesmo; se a gente não se amparar e não fortalecer os laços, ninguém se sustenta.” 

INTERCOOPERAÇÃO

A digitalização também foi o caminho encontrado por um conjunto de cooperativas de São Paulo e da Região Sul do país. A Supercampo, uma empresa SA com DNA de cooperativa, foi criada para reunir em um único marketplace diversas cooperativas com o objetivo de fomentar a intercooperação entre elas. 

O negócio nasceu com a Frísia, que reúne quase 900 cooperados no Paraná. De acordo com o presidente da Supercampo, Ronald Eikelenboom, a ideia foi agregar uma série de outras instituições para dentro de um mesmo marketplace

Percebemos que não fazia sentido ter um marketplace somente da Frísia, portanto, no ano passado, convidamos mais cooperativas para serem sócias da plataforma. Se não fosse a Supercampo, cada cooperativa teria seu marketplace. O objetivo é fazer com que a Supercampo preste um serviço digital para elas. No nosso modelo, cada cooperado é dono da plataforma e estamos buscando atendê-los de forma digital, com cashback, serviço diferenciado, um time de relacionamento, SAC etc.” 

Para Eikelenboom, a digitalização é um caminho sem volta. “As cooperativas estão vendo o digital como futuro, e isso é um caminho sem volta. Acho que estamos em processo de maturação, em que temos que desenvolver, fazer um trabalho interno de divulgação.”

Hoje, 12 cooperativas que reúnem mais de 80 mil cooperados estão na plataforma Supercampo, que reúne, também, mais de 240 lojistas de diversas áreas ligadas ao universo do agronegócio, além de peças, pneus, autopeças, lubrificantes, entre outros. 

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 Vitrine digital

Pensando no fortalecimento da intercooperação, a Organização das Cooperativas do Brasil (OCB) lançou, em julho, durante a Semana ConexãoCoop, uma plataforma de intercooperação que agrega, em um só lugar, diversas cooperativas das mais diferentes áreas, que podem divulgar seus negócios de forma prática, simples e gratuita. 

A plataforma NegóciosCoop funciona como um grande marketplace para que cooperativas possam encontrar outras cooperativas em nível nacional e, assim, fazer negócio e fortalecer o ecossistema em todo o país. 

A plataforma nasceu durante a pandemia, na perspectiva de trazer um ambiente de inovação capaz de conectar iniciativas de diferentes lugares do país. 

O objetivo é consolidar um grande e-commerce cooperativista, em que as cooperativas tenham um ambiente customizado e se sintam à vontade para expor seus produtos e serviços, contar as suas histórias e oferecer o que tem de melhor: a parceria. 

Conheça a plataforma NegóciosCoop

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Esta matéria foi escrita por Lucas Pavanelli e está publicada na Edição 35 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação


Uma fábrica de experimentos

Olhando o calendário, o ano corrente é 2021. Mas, quando o assunto é transformação e aceleração digital, já estamos no Brasil de 2030. E não se trata de viagem no tempo. A provocação é de Renato Mendes, coautor do livro Mude ou Morra. Segundo ele, sob a perspectiva dos negócios, a pandemia trouxe um fenômeno interessante que deveria ser aproveitado por todos: a aceleração no processo de digitalização.

Renato Mendes,professor do Insper.


No cenário pré-pandemia, o digital ‘era quase uma obrigação’; o que estamos vendo hoje é que ele agora é uma necessidade”, afirma Renato, também professor do Insper e da Pontifícia Universidade Católico do Rio Grande do Sul (PUC-RS).

Para o pesquisador, o surto sanitário, em si, não trouxe elementos novos, apenas acelerou mudanças que já estavam por ocorrer: maior consumo de plataformas on-line, como cursos e reuniões. 

“Não tem desculpa para não estar se preparando para o digital, porque isso já iria acontecer. A diferença é que essa mudança aconteceria daqui a dez anos, mas aconteceu em alguns meses”, endossa. 

“Estamos vivendo o Brasil digital em 2030. E a minha provocação inicial é: vocês estão preparados para o Brasil digital de 2030?”, questionou ao participar de painel on-line com a presença de representantes de diversas cooperativas durante a Semana ConexãoCoop.

CAMINHO SEM VOLTA

Na avaliação do especialista, não há alternativa, no mundo de hoje, que não passe pelo uso dos canais digitais. E os objetivos são claros: conhecer melhor o público; vender mais, e se comunicar com a base. 

O digital tem que estar na agenda de todo mundo, independentemente do setor de atuação ou do tamanho de cada uma das operações”, enfatizou.

Renato Mendes destaca que vivemos uma mudança de paradigma da “economia tradicional” para a “nova economia”. Por isso, é  necessário estar preparado para não ficar para trás e perder relevância. 

“Não temos opção, a não ser entender o funcionamento desse novo mundo digital, conhecer as melhores práticas e se aproveitar delas nos negócios.”

Na avaliação dele, é preciso aprender “o jeito startup de fazer negócios”. “Essa é a turma que puxa a fila, qualquer que seja o assunto ligado ao digital. Eles recrutam as melhores pessoas, vendem melhor, se comunicam melhor, têm ferramentas de gestão mais eficientes.” 

CLIENTE EM PRIMEIRO LUGAR

Entre os principais aprendizados da nova economia, Renato Mendes aponta o que considera o principal: foco no cliente. 

Nas economias tradicionais, empresas e cooperativas desenvolvem um modelo de negócios que funciona para elas, criam um produto internamente e, em seguida, empurram essa “solução” para os clientes. 

Na nova economia — guiada pelo pensamento startup —, esse tipo de receita não funciona. O caminho é inverso: elas primeiro ouvem o cliente para depois planejar algo para eles. Existe uma cultura de escuta ativa, que valoriza e prioriza a opinião do usuário final, não havendo espaço para suposições ou achismos. 

Ele alerta, ainda, para um erro comum nas empresas de pensamento analógico: tentar copiar o concorrente, em vez de criar soluções para o consumidor. 

Apaixone-se pelos problemas do seu cliente e não pelo seu produto”, enfatizou.  

Ainda segundo ele, a premissa que move as startups é ser mais eficiente na resolução de problemas. “Eu costumo dizer que startup boa é aquela que é resolvedora de problema de cliente. Qual problema a cooperativa de vocês resolve? De quem é esse problema? Como é que essa turma resolvia esse problema antes de você existir, ou como é que ela resolve com o seu concorrente? Vocês estão colocando na mesa pra fazer melhor? É a melhor condição de pagamento? É a melhor experiência? O que vocês fazem melhor?”, questionou o especialista. 

JOGO DA APRENDIZAGEM

Errar faz parte do processo de crescimento e aperfeiçoamento dos negócios. De acordo com o professor do Insper, startups entendem que nada nasce perfeito e, portanto, é preciso focar no aprendizado para ter um produto ou serviço melhor. “Só não evolui quem está parado”, afirmou. 

Um modelo de negócio que faz uma empresa crescer hoje pode não funcionar amanhã. Por isso, segundo o especialista, é preciso observar os ciclos de aprendizado e crescimento. 

Crie seu modelo desafiante antes que o modelo campeão — aquele que dá certo e que lhe trouxe até aqui — mostre sinais de esgotamento.” Um caminho para isso, aponta, é testar rápido e constantemente novos produtos e serviços.  

“Na velha economia, ganhava o jogo quem tinha a melhor ideia, e isso mantinha o negócio por anos. Na nova economia, ganha quem aprende mais rápido. É um jogo de aprendizado, de tentativa e erro, com metodologia, não é bagunça”, avaliou.

Segundo ele, na economia tradicional há uma aversão ao erro. As startups, entretanto, testam muito e 80% das hipóteses mostram-se equivocadas. 

É preciso entender que o erro nada mais é do que um processo de aprendizado para o novo, mas isso não quer dizer que é para cometer um erro que vá colocar a cooperativa, a saúde financeira da empresa em risco”, advertiu, destacando que é preciso ser proativo e agir rápido para evitar ficar para trás da concorrência. 

E atenção para a dica de Mendes: “é preciso incentivar que as pessoas experimentem coisas novas. As cooperativas têm que ser uma fábrica de experimentos”.

Ainda segundo Renato, o modelo de gestão do futuro é o que faz as pessoas se sentirem empoderadas e instrumentalizadas para testar e experimentar constantemente. “Empresas tradicionais gastam muito tempo tentando evitar erros, quando o foco deveria estar em corrigi-los rapidamente e aprender com eles”, concluiu. 

O caminho para mudança de mentalidade — ele admite — não é simples, porém é urgente. “Antes, ganhava quem tinha uma super ideia e um super planejamento; hoje, ganha quem aprende mais rápido, quem tem capacidade de adaptação: adequar o plano à medida que o cenário muda. E a pandemia trouxe isso como aprendizado”, observou. 


Esta matéria foi escrita por  Por Manuel Marçal e está publicada na Edição 35 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação


Compromisso com a excelência

Em São Paulo, uma cooperativa se destaca pelo compromisso com a excelência da gestão: o Sicoob Coopmil. Fundada em 1989, a singular atende cerca de 60 mil associados, entre policiais militares e civis, servidores da Secretaria de Segurança Pública, pensionistas, funcionários da Cruz Azul e das Guardas Civis Municipais. São mais de vinte anos a serviço de um público exigente, trazendo resultados. Por isso, hoje o Sicoob Coopmil conta com 35 postos de atendimento espalhados em todo o estado, incluindo a capital  paulista. 

Apesar do histórico de sucesso, a cooperativa decidiu avaliar sua gestão em 2014 e se deparou com um amplo campo de evoluções necessárias. Na época, ainda não havia o Programa de Desenvolvimento da Gestão das Cooperativas. 

Por isso, a diretoria optou por um outro modelo de avaliação: o CMMI (sigla em inglês para Modelo Integrado de Maturidade em Capacitação). "O processo do CMMI tem cinco níveis de maturidade. Naquela oportunidade, quando nós fizemos essa avaliação, chegamos à conclusão de que estávamos apenas no nível dois, então havia muito espaço para melhorias”, explicou o diretor de Negócios do Sicoob Coopmil, Coronel Wellington Venezian. 

Logo no início, a singular estabeleceu metas ambiciosas. "Queríamos que todos os processos ligados ao associado fossem certificados pela ISO 9001/2015. Conseguimos a certificação em 2016. Fomos a segunda instituição no Brasil a conquistá-la; com isso, subimos para o nível três no CMMI", recorda.

Ao saber do lançamento do PDGC, Venezian optou por mudar de programa de avaliação de gestão. "Nós precisávamos de um apoio mais robusto, né? Que pudesse levar a cooperativa à excelência, à maturidade e que tivesse relação direta com o nosso modelo de negócios. Por isso, adotamos o PDGC.” 

Já em 2017, a cooperativa foi reconhecida na categoria Bronze pelo Prêmio SomosCoop Excelência de Gestão, no estágio “Compromisso com a Excelência”. Em 2019, foi prata na mesma categoria. Decidiram, então, que este ano buscarão o reconhecimento na modalidade "Rumo à Excelência", o último estágio premiável (já que o nível "Excelência" ainda não está disponível). O objetivo é alcançar o último estágio em 2025, ou seja, depois de dois ciclos no "Rumo" certo. 

O que nós buscamos é fazer do Sicoob Coopmil uma organização de referência nas melhores práticas de governança e gestão do Ramo Crédito. Sabemos que essas práticas geram resultados e, acima de tudo, a sustentabilidade do nosso negócio”, resume o coronel. 

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Norma ISO 9001 2015 incentiva a qualidade dos processos de uma organização, por meio da aplicação de importantes requisitos, como: planejamento das atividades; definição de metas; implementação de planos de ação; e relacionamento com clientes, fornecedores e colaboradores

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QUALIDADE NO RIO GRANDE DO SUL

Os gaúchos têm no analista técnico do Sescoop/RS Guilherme Quadros uma referência para tirar dúvidas e ficar por dentro do PDGC. “O programa é ferramenta indispensável no momento que vivemos. O diagnóstico da governança e da gestão gera insumos para a melhoria contínua e a sustentabilidade das nossas cooperativas, seja qual for o seu ramo, porte ou tempo de atuação”, diz. Foi a partir das indicações dele que a Saber Cooperar chegou a dois cases de sucesso em relação ao PDGC no estado: a Unimed Central de Serviços, de Canoas (RS); e a Sicredi UniEstados, de Erechim (RS).

"A Sicredi UniEstados teve início em 14 de abril de 1981, quando um grupo de agricultores de Erechim juntou forças para constituir a sua cooperativa de crédito. Em 1992, ingressamos no Sicredi e passamos a fazer parte de um sistema nacional, fato que fortaleceu a nossa atuação local. Em outubro de 2006, com uma estrutura já sólida e bem-vista pelo Banco Central, conseguimos aprovação para nos tornarmos uma cooperativa de Crédito de Livre Admissão de Associados, passando a atender outros públicos, além do rural", lembra o coordenador de Processos e Qualidade da Sicredi UniEstados, Iran Joel Bandurka.

O que era uma cooperativa pequena tornou-se, com o tempo, uma gigante. Desde 2006, expandiu-se para Santa Catarina e, mais recentemente, para Minas Gerais, somando 105 mil associados em 45 municípios nesses três estados. Era, claro, preciso organizar a gestão e ter instrumentos corretos para crescer mais e melhor.

A caminhada da Sicredi UniEstados no PDGC começou em 2015, no nível Primeiros Passos. No ano seguinte, avançamos para o Compromisso com a Excelência, permanecendo de 2016 a 2019. Em 2020, identificamos que estávamos preparados para novamente nos desafiar e avançar para o nível Rumo à Excelência. A cultura da Excelência foi se consolidando nestes anos, embasada nos fundamentos da Excelência e, principalmente, no olhar do PDGC para a melhoria contínua", destaca Iran.

Para trabalhar no PDGC, a cooperativa estabeleceu seis etapas estratégicas, que passam pela análise do ciclo anterior, a construção do plano de trabalho, a revisão de práticas de governança e gestão, a avaliação de resultados, a participação no Ciclo do PDGC e, a cada biênio, a participação no Prêmio SomosCoop Excelência de Gestão.

“O PDGC, em todos os seus ciclos, nos deixa a validação do trabalho e as lições aprendidas, nos motivando a seguirmos em frente, buscando, cada vez mais, construir uma cooperativa sólida, sustentável e inovadora”, arremata Iran.

Já a Unimed Central de Serviços-RS tem sede em Canoas, no Rio Grande do Sul. Ela presta serviços para as cooperativas do Sistema Unimed, hospitais, clínicas, laboratórios e cooperativas de crédito de todo o Brasil.

Desde 2009, a entidade tem como norteador de suas atividades e estratégias o Modelo de Excelência em Gestão (MEG) — metodologia também criada pela Fundação Nacional da Qualidade para avaliar a maturidade da gestão das organizações. Mas a Unimed Central de Serviços encontrou no PDGC a oportunidade de potencializar o processo de aprendizado organizacional, no que tange às boas práticas de gestão e governança. Em 2019, participou pela primeira vez, e foi possível identificar e promover as melhorias necessárias ao seu desenvolvimento.

Em função da pandemia da Covid-19, a cooperativa enfrentou diversos desafios, como a adoção do teletrabalho pela maior parte de seus 318 colaboradores. Foi a oportunidade, porém, de tornar a cooperativa mais conectada e digital.

Para o diretor-presidente da Unimed Central de Serviços, Jorge Guilherme Robinson, “a participação no PDGC é um estímulo permanente para mantermos o nosso nível de prontidão para a gestão da Cooperativa, e a participação no Prêmio é uma oportunidade de termos uma avaliação externa qualificada sobre as nossas práticas e os nossos resultados”.

QUALIDADE TAMBÉM EM MATO GROSSO E EM RORAIMA

Sediada em Sorriso (MT), município considerado a capital brasileira do agronegócio, a Sicredi Celeiro MT RR participa do PDGC desde 2015 — segundo ano de premiação. 

A gente sempre tem um olhar mais interno da nossa cooperativa, né? E nós procurávamos uma visão externa do nosso processo de governança, das nossas práticas. Foi quando conhecemos o PDGC. Vimos no programa uma oportunidade de ter um olhar especializado, de uma entidade que conhece o cooperativismo e seria capaz de mostrar se estávamos caminhando no rumo certo.  Foi isso o que nos levou a, no primeiro momento, buscar a participação no PDGC. Não tínhamos a ambição de configurar entre as melhores classificadas, os melhores pontuados", lembra o diretor executivo Marcio Luiz de Abreu.

Se o processo foi despretensioso, também despretensiosamente, já no primeiro prêmio, a Sicredi Celeiro MT RR conquistou a medalha de prata na categoria Primeiros Passos. 

"Em 2017, nos inscrevemos de novo, já no segundo nível (Compromisso com a Excelência). Uma grande felicidade aqui pra toda a equipe: a gente conquistou a posição Ouro dentro dessa categoria. Com isso, cada vez mais, a expectativa aumenta. A vontade de melhorar, de realmente se superar, fez com que, em 2019, nos  inscrevessemos na categoria Rumo à Excelência, conquistando a Prata. Agora, queremos seguir melhorando para conquistar o Ouro nessa categoria", revela Márcio.

Com 31 anos de história, 380 colaboradores atuando em oito municípios mato-grossenses, a Sicredi Celeiro ganhou, em 2020, a autorização do Banco Central para atuar; também em todo o estado de Roraima. São, hoje, 75 mil clientes só em Mato Grosso, e serão muito mais quando forem instalados os pontos de atendimento no novo estado de atuação —- no momento, estão na pré-implantação desses pontos. 

Está vendo só? Não é à toa que a cooperativa segue crescendo, mesmo em um ano difícil como o pandêmico 2020. Se quiser o segredo do sucesso, ele está nas quatro letrinhas que dão título a essa reportagem: PDGC!


Esta matéria foi escrita por  Por Morillo Carvalho e está publicada na Edição 34 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação


PDGC: avaliar a qualidade faz as cooperativas crescerem

Quando se sabe onde se está e aonde é preciso chegar, fica mais fácil caminhar na direção certa.
Partindo desse princípio, o Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop) criou uma iniciativa cuja sigla rimada é gostosa de ser pronunciada: PDGC — Programa de Desenvolvimento da Gestão das Cooperativas. 

O objetivo do programa é ajudar a melhorar a gestão nas cooperativas brasileiras, promovendo a adoção de boas práticas de governança cooperativa. E, para lhe ajudar a entender melhor essas quatro letrinhas, vamos propor o seguinte exercício: que tal pensar na sua cooperativa como se fosse um ser humano ávido por crescimento profissionalmente? Ele já atua há algum tempo no mercado, mas percebe que poderia se destacar ainda mais se investisse em si mesmo. O problema é que não sabe direito por onde começar... É justamente aqui que começa a nossa jornada rumo ao crescimento: do incômodo de saber que se pode fazer mais.

Pois bem. O primeiro passo para crescer em qualquer aspecto — pessoal ou profissionalmente — é buscar autoconhecimento. Conhecendo-nos fica mais fácil descobrir quem somos e os nossos anseios. Estudando nossos pontos fracos, temos instrumentos para corrigi-los. Observando nossos pontos fortes, conseguimos buscar meios de aprimorá-los.

O mesmo vale para a sua cooperativa. Elas precisam se conhecer melhor para crescer. Acontece que — assim como ocorre com os seres humanos — muitas vezes é difícil fazer essa autoanálise. Enquanto pessoas precisam de psicólogos, professores e mentores para crescer, as cooperativas precisam do PDGC — iniciativa que identifica os pontos fortes e as oportunidades de melhoria do negócio, organiza todas as informações e propõe o rumo correto a seguir.

O programa segue uma metodologia criada pela Fundação Nacional da Qualidade (FNQ), que já havia elaborado diretrizes para melhorar a gestão das cooperativas antes mesmo de o PDGC surgir. O ponto de partida é a realização de uma autoavaliação completa, baseada em dois questionários voltados para os pontos principais do programa:

Assim que responde esses dois questionários, a cooperativa recebe de forma automática uma avaliação completa, que mostra:

  • os pontos fortes nos quais a cooperativa está indo bem;
  • os pontos de melhoria, com base em oportunidades que a cooperativa pode aproveitar melhor; e
  • os indicadores de desempenho que a cooperativa pode usar para medir o progresso nos pontos de melhoria apresentados.

EVOLUÇÃO CONSTANTE

Voltando ao exercício de comparar uma cooperativa a um ser humano: todos nós acumulamos conhecimentos que condizem com o estágio de nossas vidas. Na infância, as informações básicas; a juventude e suas descobertas; a idade adulta e a maturidade, coroadas com a sabedoria acumulada por anos de experiência. O PDGC também avalia as cooperativas conforme seu estágio evolutivo.

O PDGC traz exatamente isso. Se você quer subir e evoluir em relação ao caminho da excelência, você vai buscando cada vez melhores práticas, melhores processos gerenciais. É para que você tenha sua gestão ainda mais evoluída; não significa que a gestão está ruim, né?", resume a coordenadora do Núcleo de Gestão de Cooperativas do Sescoop/SP, Andrea Pinheiro, coordenadora do PDGC no estado.

O primeiro nível da escala evolutiva do PDGC é chamado de Primeiros Passos. É comum que, quando a cooperativa faça a adesão ao PDGC, esteja neste degrau.

A evolução do primeiro nível resulta no segundo, o Compromisso com a Excelência. É um estágio intermediário, quando a cooperativa passa a medir sua gestão e avaliar seus resultados. O terceiro estágio, também intermediário, mais maduro, é o Rumo à Excelência, quando o sistema de gestão e governança da cooperativa está em franca evolução e demonstra competitividade e ótimos resultados. O último estágio é o objetivo final, o avançado: a excelência.

Para acompanhar a própria evolução, as cooperativas inscritas no PDGC são convidadas a se autoavaliar, anualmente, e a implantar as sugestões de melhorias realizadas pelo Sescoop, com base no diagnóstico da cooperativa. Tem início um ciclo formado pela sigla PDCL, que significa Planejar, Fazer, Verificar e Aprender (Plan, Do, Check, Learn).

Todos os anos, novos ciclos do Programa são abertos. Desde que teve início, em 2013, estima-se que mais de 2 mil cooperativas já tenham aderido ao PDGC.


Esta matéria foi escrita por  Por Morillo Carvalho e está publicada na Edição 34 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação


Dias melhores para sempre

Luz em meio à escuridão. Assim podem ser definidas as ações de impacto social que as cooperativas de todo o país têm executado em tempos tão difíceis. Quando a Covid-19 chegou tirando vidas, interrompendo sonhos, e tornando mulheres e crianças vulneráveis à violência, a ação desses grupos, em parceria com as comunidades, ajudou a iluminar a vida de milhares de brasileiros. Algumas dessas histórias foram contadas na celebração do Dia de Cooperar 2021, o nosso Dia C — movimento nacional de responsabilidade socioambiental das cooperativas brasileiras. 

Assim como em 2020, o evento deste ano foi realizado virtualmente, ao vivo, no YouTube e no Facebook do Sistema OCB. “Queríamos mostrar ao Brasil um pouco do que as cooperativas têm feito para minimizar os impactos da pandemia na vida das pessoas e na economia. Porque cooperativismo é isso: gente cuidando de gente! Além disso, queríamos celebrar o fato de nada — nem mesmo a crise pela qual estamos passando — conseguir ofuscar a paixão que nós, cooperativistas, temos pelas pessoas, e pelo nosso jeito ético e sustentável de fazer negócios”, explicou o presidente do Sistema OCB, Márcio Lopes de Freitas. 

Foi como disse a mestre de cerimônia do evento, Gisele James: estamos vivendo, sim, um momento preocupante, mas é preciso encontrar tempo para festejar as pequenas e grandes vitórias de quem está plantando o bem neste cenário de crise. E é isso que nós faremos agora, nesta reportagem. Confira!

FLORES EM VOCÊ

A pandemia do novo coronavírus obrigou o mundo inteiro a recalcular rotas, repensar comportamentos, criar caminhos diferentes. Para os integrantes da Cooperativa de Floricultores do Estado da Paraíba (Cofep), renascer da tristeza e da dificuldade não era algo novo. No fim dos anos 1990, o grupo (majoritariamente feminino) já havia surgido do caos, com o fechamento das usinas de cana-de-açúcar da região. Desemprego, desespero e alto índice de violência doméstica tomaram conta da cidade de Pilões e aquelas mulheres decidiram começar do zero, estudando sobre o cultivo de flores, que não era comum no estado. 

Mesmo sendo chamadas de loucas e sofrendo preconceito, acabaram tornando-se referência nacional na plantação de crisântemos, rosas e gérberas; ganharam prêmios, passaram a mandar suas flores para fora do Brasil. “Essa ação resultou como uma carta de alforria para as mulheres daquela região, porque a autonomia que elas adquiriram mudou tudo”, relata Karla Cristina Rocha, uma das fundadoras da Cofep.

No entanto, com a pandemia, a cooperativa, antes visitada por gente de todo o mundo, ficou novamente vazia de produção, de recursos e de esperança. “A flor está em todo momento da nossa vida, do nascer ao morrer, mas, com essa doença, não teve mais casamento, festa, comemoração, nem mesmo velório”, lamenta Maria Helena dos Santos, presidente da Cofep. “Então vimos nossas estufas vazias, perdemos todo o nosso investimento, e nada de renda chegando à nossa casa.” 

Sem fonte de renda, as mulheres retornaram para a dependência dos maridos e, consequentemente, os casos de violência doméstica voltaram a aumentar. Mais uma vez foi preciso partir do zero, e elas lembraram como são fortes. 

No meio da pandemia, nasceu a solução de mais um problema; o grupo se reuniu e teve a ideia de produzir hortaliças orgânicas, porque foi possível aproveitar toda a estrutura das estufas que anteriormente eram usadas para o cultivo das flores”, explica Karla Cristina.

A nova produção ganhou volume e devolveu a autonomia para aquelas mulheres. Hoje elas já fazem planos para conciliar a produção de hortaliças com as flores, que devem voltar em breve. “Provamos que, todo desafio que vier, a gente topa e enfrenta; mostramos para todo mundo que somos unidas, fortes, vencemos e vamos vencer mais ainda”, comemora Maria Helena.

ESPORTE DO BEM

A vulnerabilidade social do Bairro de Itararé, em Vitória  –  ES, também ficou mais evidente com a pandemia da Covid-19. E foi ali que prosperou mais uma ação cooperativista celebrada nacionalmente: crianças e jovens que sofriam com a reclusão da quarentena, sem escola, sem convívio social, receberam com um sorriso no rosto o Projeto Esporte do Bem, de iniciativa do Instituto Unimed Vitória. As aulas de basquete e futebol oferecidas gratuitamente a alunos de 7 a 14 anos, desde outubro de 2020, encheram de alegria a comunidade. 




Sheila Marinho Norberto, mãe de Gabriel Marinho, de 8 anos, conta que o filho chegou a ficar depressivo com o isolamento e só melhorou com a chegada da equipe da Unimed Vitória. “Essa oportunidade foi muito boa, vendo o momento em que a gente estava muito dentro de casa, sem poder sair por causa da pandemia, quando veio o projeto, nós ficamos muito animados”, comenta a mãe. “Eu fiz uns 100 amigos já”, conta o pequeno, empolgado e sorridente. O projeto, por enquanto, atende 110 crianças com segurança, e começa a se expandir para outras comunidades da região. A ideia é chegar a 300 alunos, quando a situação da pandemia permitir. “O Esporte do Bem é nosso catalisador. Com ele, a gente tenta potencializar a transformação social para integrar várias outras ações”, explica o diretor executivo da Unimed Vitória, Cosme Péres. Em fevereiro deste ano, por exemplo, o grupo organizou o Dia do Bem, oferecendo atendimento médico, nutricional, farmacêutico e de fisioterapia para as crianças e os adolescentes que fazem parte do projeto e seus familiares. 

COOPERAÇÃO PARA SALVAR VIDAS

Além de todos os efeitos emocionais e econômicos, a pandemia da Covid-19 trouxe altas taxas de mortes e internações, sobrecarregando ainda mais a já escassa estrutura do Sistema Único de Saúde (SUS). Assistir a esse cenário de braços cruzados não foi uma opção para os cooperados do Sicredi Ouro Verde, da cidade de Lucas do Rio Verde, em Mato Grosso. Mesmo também vivendo dificuldades por conta da crise que tomou o mundo, eles escolheram contribuir de verdade para minimizar a dor alheia.

Num movimento unificado, 95 mil associados do Sicredi abriram mão do recurso vindo de suas contribuições para auxiliar o trabalho dos profissionais de saúde da região. “Vimos que muitos irmãos nossos estavam sem saber o que fazer diante de tanta dificuldade e procuramos especialistas na área para mostrar do que precisavam mais”, relata o presidente da cooperativa, Eledir Pedro Techio. “Entendemos que, se nós salvássemos uma vida, já teria valido a pena o nosso investimento.” 

Assim, o grupo criou o Cooperação para salvar vidas e conseguiu doar R$ 5 milhões para a compra de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e aparelhos para as Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) de hospitais que atendiam pacientes com Covid. Além da própria contribuição, a cooperativa ainda incentivou a comunidade a complementar o auxílio.“Essas ações, sem dúvida alguma, contribuíram com o salvamento de muita gente; podemos dizer que somos corresponsáveis pelas mais de 400 mil vidas recuperadas no nosso estado”, comemora a presidente do Conselho Regional de Medicina de Mato Grosso (CRM-MT), Lucia Helena Sampaio, com a voz embargada.

Estranho seria a gente não se emocionar falando de toda essa nossa trajetória no enfrentamento à Covid”, acrescenta Gabriela Refatti, diretora do Hospital São Lucas, um dos atendidos pelo projeto. Com a ajuda dos cooperados e da comunidade, a unidade de saúde conseguiu abrir mais 30 leitos de UTI. “Quando a pandemia nos pegou de frente, nos sentimos muito desamparados, mas, ao receber ações como essa que teve o Sicredi, como uma mão amiga segurando a instituição, a gente conseguiu ao menos vislumbrar uma certa tranquilidade nesses momentos delicados”, complementa a diretora.

DIGNIDADE PARA TODOS

Sintonizadas com o Dia C, as cooperativas atuam também para melhorar o ambiente em que vivem tantas pessoas em regiões vulneráveis. Assim, surgem projetos de sustentabilidade, como o da Unimed Belém, que atua pelo desenvolvimento da região de Marajó, no Pará. Este ano, o trabalho do grupo foi direcionado à comunidade ribeirinha da Vila do Palheta, que vive do extrativismo vegetal, da pesca e da caça, e que quase não tem acesso a serviços públicos, principalmente de saúde.

A ação da cooperativa tem sido voltada para o saneamento básico, com a implantação de 44 banheiros ecológicos para os 140 moradores locais. “Depois de fazer uma visita técnica para ver a situação real da comunidade, nós percebemos que a região era vítima de muito descaso por parte do poder público”, argumenta Eduardo Abrahão, assessor de sustentabilidade da Unimed Belém.

A assessora de Promoção Social do Sistema OCB/PA, coordenadora do Dia C no estado e articuladora do projeto, Flávia Gil, destaca o impacto direto para a população. “O principal é perceber como a semente do cooperativismo pode transformar a realidade e trazer sustentabilidade, pois essa ação vai ter resultado não só para a geração de agora, mas também para as próximas”, comenta.

PLANETA ÁGUA

No Paraná, o Projeto Nossa Água também leva a visão sustentável a comunidades vulneráveis. Coordenada pela Cooperativa Agroindustrial Integrada, a ação tem origem e foco na preocupação com a finitude dos recursos hídricos da Terra. 

As atividades de conscientização ambiental existem desde 2006, mas, com o tempo, o grupo tem atuado também em outras frentes, como o repovoamento de rios e a recuperação de nascentes. Nesses 15 anos, já foram plantadas mais de 1 milhão de mudas pelo projeto. “Acreditamos que o desenvolvimento sustentável inicia hoje para que as futuras gerações possam também usufruir dos recursos naturais”, explica a coordenadora de sustentabilidade da cooperativa, Ana Lúcia Almeida.

E já é possível colher os frutos desse empenho ao observar a fala articulada da estudante Amanda Salvetti, de 16 anos, que participa do projeto desde bebê. “Eu tive o privilégio de receber essas informações organizadamente quando criança e agora eu consigo visualizar os benefícios”, conta a jovem. “Nós temos hoje um ar mais puro, uma vegetação deslumbrante, paisagens que são fenomenais, e eu acredito que, se cuidarmos do nosso presente, as próximas gerações poderão usufruir mais ainda do contato com a natureza.”  

DOANDO ENERGIA

Cuidar do planeta utilizando os princípios do cooperativismo tem sido o lema do Sistema Ocemg na execução do Programa de Energia Fotovoltaica do Cooperativismo Mineiro (MinasCoop Energia). O projeto, lançado neste ano, incentiva as cooperativas de Minas Gerais a construírem usinas de energia limpa e autossuficiente e a doarem parte da produção para unidades de saúde do estado. 

Uma das beneficiadas pelo programa será a Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte, que gasta, mensalmente, R$ 100 mil com as contas de energia e poderá economizar mais de R$ 1 milhão por ano quando a doação da usina chegar, ainda em 2021.

Nós sabemos que esse hospital vive com dificuldades imensas, e sempre pensamos em ajudá-los e fazer disso um processo para que possa ter impacto do ponto de vista ambiental, econômico e social”, comenta Garibalde Mortoza Jr, presidente do Sicoob Credicom, que também integra a ação.

O presidente do Sistema Ocemg e um dos idealizadores do Dia C, Ronaldo Scucato, comenta que a expectativa sobre o MinasCoop Energia é grande pelo potencial de reprodução da ideia no restante do país. “Já temos a confiança e a participação de quase 20 cooperativas, e contamos com todas para que essa iniciativa também se torne um grande exemplo de como o cooperativismo promove transformações”, conclui.

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QUAL É A MÚSICA?

Uma das principais atrações do Dia C 2021 foi a trilha sonora. As cooperativas que tiveram suas histórias contadas no evento ganharam uma música especial, cantada pela banda CONECTA — formada por músicos de Brasília que, assim como as nossas coops, viveram a superação da pandemia.  Olha que maravilha a seleção:

Cooperativa: Unimed Vitória (ES)

Música: Sementes do Amanhã, Gonzaguinha

Trecho

“Ontem o menino que brincava me falou
Que o hoje é semente do amanhã
Para não ter medo, que esse tempo vai passar
Não se desespere não, nem pare de sonhar”

Cooperativa: Unimed Belém (PA)

Música: Sal da Terra, Beto Guedes

Trecho

“Um mais um é sempre mais que dois
Para melhor construir a vida nova
É só repartir melhor o pão
Recriar o paraíso agora
Para merecer quem vem depois”

Cooperativa: Cooperativa dos Floricultores do Estado da Paraíba 

Música: Anunciação, Alceu Valença

Trecho

“Na bruma leve das paixões que vêm de dentro
Tu vens chegando pra brincar no meu quintal
No teu cavalo
Peito nu, cabelo ao vento
E o sol quarando nossas roupas no varal”

Cooperativa: Cooperativa Integrada (PR)

Música: Planeta Água, Guilherme Arantes

Trecho:

“Águas escuras dos rios
Que levam a fertilidade ao sertão
Águas que banham aldeias
E matam a sede da população”

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DIA C EM NÚMEROS

+ de 20 milhões de pessoas 

foram impactadas pelas ações de responsabilidade social do Dia C desde o lançamento do programa, há 12 anos

+ de 11 mil projetos 

realizados nesse período

1 em cada 4 municípios brasileiros 

é beneficiado por programas de responsabilidade social promovidos por cooperativas

SOMENTE EM 2021...

1.295 iniciativas previstas

1.277 voluntários 

133 mil pessoas beneficiadas


Esta matéria foi escrita por Por Adriana Caitano e está publicada na Edição 34 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação


Conexão inovadora

Trazer o novo à tona requer muito mais do que talento, disposição e recursos. Gerar ideias, criar soluções inovadoras para os dilemas de qualquer tipo de negócio, passa inevitavelmente pelo compartilhamento de informações, conhecimento e experiências, ou seja, inovar é também um processo de cooperação. 

Pensando nisso, o Sistema OCB lançou o Programa InovaCoop Conexão com Startups, em parceria com a Innoscience — consultoria especializada em inovação corporativa. A iniciativa pretende encontrar startups que possam solucionar os desafios que foram selecionados e são enfrentados atualmente pelo cooperativismo, estimulando a parceria entre elas e as nossas cooperativas.

“Inovação não é feita por uma pessoa sozinha; ninguém inova sozinho, sentado da sua cadeira. Ela é feita no coletivo e, se possível, com bastante diversidade de pensamento, de bagagem cultural, racial, regional, porque só enriquece os processos e faz mais ideias diferentes circularem, e novas ideias surgem. O InovaCoop Conexão com Startups está focado na inovação aberta1, com objetivo de olhar para fora e trazer as startups para resolverem  os desafios do cooperativismo”, destaca Samara Araujo, coordenadora do Núcleo de Inovação da OCB.

Na prática, o programa foi desenhado para reunir desafios compartilhados por várias cooperativas, para que a solução encontrada possa beneficiar o maior número possível delas. Por isso, o principal critério de inscrição foi a apresentação de um problema comum ou similar às necessidades de pelo menos cinco cooperativas. 

Do total de 30 inscrições recebidas, foram selecionados nove desafios de cooperativas e um do próprio Sistema OCB. Entre os escolhidos, estão o desenvolvimento de: tecnologia para planos de saúde; aplicativos de serviços; gestão de dados; pesquisa de satisfação e relacionamento; e rastreabilidade da informação. 

Integram o grupo selecionado cooperativas dos ramos de Saúde, Transporte, Trabalho, Agro, Energia e Crédito sediadas em estados das regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do país. Muitos desses desafios têm potencial para escalar e suas soluções podem servir para cooperativas de outras regiões.

“É um modelo que se agrega e consegue dar uma estrutura para que as cooperativas consigam participar e solucionar problemas que, às vezes, são dores de diferentes cooperativas. Então, ter a capacidade de chegar a mais pessoas, a mais cooperados e a mais estados é um papel importante que as cooperativas têm nesse processo de dar mais visibilidade e se introduzir nesse mundo da inovação, trazendo isso para os cooperados lá na ponta”, destaca a head de inovação da Innoscience, Julia Mariné.

DIFERENCIAL COMPETITIVO  

Um dos desafios selecionados pelo InovaCoop Conexão com Startups com potencial para resolver os problemas de um setor inteiro é da Federação das Cooperativas de Trabalho do Rio Grande do Sul (Fetrabalho), em parceria com a Cooperativa de Trabalho, Produção e Comercialização dos Trabalhadores Autônomos das Vilas de Porto Alegre (Cootravipa); a Cooperativa de Trabalho Educacional Cooperconcórdia (Cooperconcórdia); a Cooperativa de Trabalho dos Profissionais Liberais do Brasil (Cooplib), e a Cooperativa de Transporte de Produtos Líquidos (Cooper Líquidos).

Esse grupo pretende disponibilizar ao público todo o portfólio de serviços das cooperativas em uma única plataforma. O objetivo é facilitar — por meio de aplicativo ou outro espaço de whitelabel2 e marketplace3 — a oferta dos serviços prestados pelo cooperativismo. 

Segundo a presidente da Fetrabalho, Margaret Cunha, a criação de uma plataforma única no Ramo do Trabalho é um desafio que já se arrasta há alguns anos, ampliado durante a pandemia. Com as medidas de isolamento social, muitas cooperativas tiveram dificuldades para expor seus serviços e tiveram que se readaptar para manter os clientes. 

“Estou muito feliz por termos sido selecionados, e mais ainda por representar a Região Sul. Somos um sistema, temos uma divisão de ramos, mas temos de nos ajudar entre nós. É uma realização finalmente concretizar um sonho que já vem há mais de três anos e não tínhamos condições de fazer sozinhos. Se as cooperativas não abraçassem essa ideia, não teria como formatar”, relata Margaret.

O desafio apresentado pela Fetrabalho e por afiliadas consiste na construção de uma plataforma B2C — modelo caracterizado pela venda de um produto ou serviço da empresa diretamente para o consumidor final. As cooperativas integrantes do aplicativo poderão expor seus serviços aos clientes de forma conjunta e ter melhor remuneração em relação a modelos tradicionais, já que serão proprietárias da plataforma e poderão exercer a governança sobre os investimentos. 

O grupo brasileiro se inspirou em um projeto desenvolvido por um grupo de cooperativas de trabalho sediadas nos Estados Unidos e tem por meta inserir as coops envolvidas na chamada economia de plataforma4. Além disso, o desenvolvimento desta solução será escalável para cooperativas de trabalho de outras regiões do país. 

A expectativa é que a plataforma dê mais visibilidade aos trabalhos prestados não somente para o consumidor final, mas também para beneficiar outras cooperativas.  “Acho que o aplicativo vai servir para que as cooperativas se enxerguem no mercado. Tem atividades que são importantes para o setor público e para os clientes, mas é importante que as cooperativas olhem para dentro e vejam a gama de serviços que podem ser contratados no próprio cooperativismo”, destaca Margaret.

SEGURANÇA JURÍDICA

Essa é a primeira vez que a Federação busca aproximação com startups. A entidade projeta um aumento de 20% no volume de negócios a partir das potenciais parcerias que poderão resultar do programa. A presidente ressalta, no entanto, que “cada produto novo tem um tempo de maturidade” e que o grupo pretende alcançar os resultados de forma gradual, “com tranquilidade e segurança jurídica”.

“O pessoal das startups é jovem, com ideias, olhares diferentes que vão poder nos ensinar. A gente quer entrar com eles nesse mundo para evoluir e trazer para dentro das cooperativas a inovação, a tecnologia. O mercado mudou e precisamos nos adaptar; ver o que está surgindo de novo e as possibilidades de sermos inseridos” complementa Margaret.

Para lançar o desafio, o grupo contou com o apoio da unidade estadual do Sistema OCB no Rio Grande do Sul, o Sistema Ocergs, que, por meio da Faculdade de Tecnologia do Cooperativismo (Escoop), está desenvolvendo o projeto de pesquisa “Cooperativas de Plataforma e Ambiente Jurídico”. Segundo o coordenador do projeto e Diretor-Geral da Escoop, Mário de Conto, a pesquisa aponta a intercooperação como uma das alternativas para a implementação de plataformas cooperativas.

“Nesse caso, a análise de modelos internacionais que realizamos serviu como base ao desafio, que permitirá que cooperativas de trabalho brasileiras ingressem na Economia de Plataforma, de forma que a propriedade e a gestão sejam de seus próprios associados”, comentou De Conto.

O pesquisador também reforça que o programa da OCB contribuirá para o fortalecimento da cultura de inovação no meio cooperativista. “Como pesquisador e entusiasta da Inovação no Cooperativismo, entendo que iniciativas como o Programa InovaCoop Conexão com Startups  são fundamentais para a disseminação da cultura da inovação e a implementação de iniciativas inovadoras no cooperativismo brasileiro”, comentou o diretor da Escoop.

GERAÇÃO DE NEGÓCIOS

Passada a fase de encontrar os problemas, o programa da OCB se debruça na missão de atrair startups interessadas em resolver as dores apontadas pelas cooperativas. Serão em torno de dois meses para receber as inscrições e conhecer as propostas dessas empresas.

O processo de triagem será feito pelas cooperativas e finalizado no Pitch Day — evento on-line para o qual avançarão de uma a três startups para cada desafio. O objetivo do evento é filtrar apenas uma startup para cada missão.

“É o dia do match (conexão), em que as startups se apresentam para as cooperativas como potenciais resolvedoras daqueles desafios”, explica Samara Araújo.

Desse momento em diante, aumenta a aproximação das cooperativas com as startups. No processo de conexão e imersão, os desafios começam a ser lapidados aos poucos rumo à solução. É definido um escopo de ação e firma-se um acordo para o desenvolvimento de um projeto piloto.5

“O primeiro resultado esperado é o impacto cultural da inovação no setor, no ambiente do cooperativismo. Abrir os olhos, se aproximar dessa nova forma de ver as coisas, se relacionar, não precisa fazer tudo do zero sozinho. Afinal, dá para contar com empresas mais jovens e focadas para trazer conhecimento e novas formas de trabalhar”, comenta Julia Mariné, da Innoscience.

A consultora também destaca a troca que ocorre entre o que uma startup pode entregar para uma cooperativa, e vice-versa. “As cooperativas do programa têm mais recursos financeiros, mais experiência em gestão, um negócio mais maduro; já as startups estão iniciando, têm uma forma de pensar mais flexível, mais rápida. No fim das contas, essa relação é de ganha-ganha, o processo costuma ser bem proveitoso para ambos os lados”, completa.

Mas o maior impacto almejado, tanto pelas startups quanto pelas cooperativas, é a geração de negócios, com redução de custos, aumento de produtividade, eficiência e faturamento. Por isso, o programa foi todo estruturado para proporcionar que, ao final, a startup possa se tornar uma fornecedora ou parceira das cooperativas envolvidas naquele desafio. 

“No mercado em geral, temos uma taxa de conversão de pilotos em negócio por volta de 10% a 15%. Com a nossa metodologia, cerca de 70% dos projetos desenhados são executados. Desses, por volta de 45% são contratados no final. Essa é a média dos mais de 300 pilotos que já desenvolvemos com as empresas”, destaca a consultora.

BONS FRUTOS

Essa é a primeira edição do programa realizado em parceria com a OCB, e a expectativa é de que as cooperativas cheguem ao fim do programa, previsto para fevereiro de 2022, com novo mindset (modo de pensar) e, principalmente, novos parceiros de negócios.

Algumas cooperativas já participaram de programa similar com a Innoscience e ainda colhem os frutos da parceria firmada com startups. É o caso da Unimed Vales do Taquari e Rio Pardo (VTRP), que atualmente tem parceria com nove startups, todas firmadas durante o programa de conexão. 

A cooperativa de saúde lançou seus desafios por meio do Projeto Innovation Unimed, desenvolvido com a Innoscience para selecionar startups de todo o Brasil que possam resolver diferentes problemas do Ramo Saúde. O projeto teve início em 2019 e já está na terceira edição. 


Entre os desafios lançados este ano pela Unimed VTRP, estão: 

  • acompanhamento, em tempo real, das solicitações dos clientes; 
  • gestão on-line da comercialização; 
  • inteligência na análise de laudos e exames;
  • tecnologias vestíveis para monitoramento da saúde dos clientes; 
  • soluções digitais em saúde; remuneração por performance de colaboradores; 
  • inteligência de dados para geração de oportunidades; e 
  • inovações na saúde.

Na primeira edição do Innovation, cinco startups fecharam negócio. Uma delas permitiu o desenvolvimento da telemedicina, antes mesmo da pandemia — o que levou a cooperativa ao pioneirismo nesse tipo de atendimento. A solução altamente escalável foi adotada por várias cooperativas da região e de outros estados.

Outro negócio fechado que rendeu bons frutos permitiu a otimização do contato com clientes inadimplentes — demanda que também cresceu muito durante a crise do coronavírus. E uma das soluções mais recentes desenvolvida por startup e utilizada atualmente pela Unimed é a Robô Laura, que auxilia, por meio de inteligência virtual, no pronto atendimento virtual de pacientes com sintomas gripais e de dengue. 

A cooperativa lançou ainda um hub de inovação que tem dois programas de aceleração e mentoria de startups com soluções em saúde. “Os maiores resultados não são mensuráveis. A solução em si é o maior ganho. Hoje temos maior agilidade nos processos, escalabilidade nas soluções e atingimos um ganho de marca enorme”, comenta a superintendente executiva Rosilene Knebel.

Segundo a superintendente, em 2020, 42% dos investimentos feitos pela Unimed VTRP foram para projetos de inovação. Em 2021, até o mês de julho, o percentual investido em inovação chegou a 24%. O volume investido e os resultados alcançados renderam à Unimed VTRP o título de cooperativa mais inovadora do ramo e da região. 

NA ORIGEM

A experiência da Unimed VTRP com startups foi inspirada na ação do Sicredi, que participou do programa da Innoscience em 2018 e 2019. Entre os desafios do Sicredi naquele momento estava iniciar o processo de transformação digital de seus processos e serviços.

“Esse programa de conexão de startups foi um dos primeiros movimentos da nossa transformação digital. Sabendo de todas as nossas dores internas, naquele momento a gente entendeu que uma das alternativas era se aproximar do ecossistema de startups, entender o modo como elas funcionavam, sua capacidade de adaptação, de aprender coisas novas todos os dias, para buscar soluções para o nosso negócio, entregando valor para o nosso associado”, conta Rodrigo Murari, especialista de Inovação do Centro Administrativo do Sicredi.

Inicialmente, os desafios lançados pelo Sicredi eram relacionados a questões internas, mais administrativas. Na primeira edição do programa, a cooperativa fechou negócio com cinco startups, de nove experimentos analisados; n. E na segunda edição, de onze pilotos, foram fechadas três conexões com startups

Hoje, o Sicredi tem estratégia própria de inovação com o já conhecido Programa Inovar Juntos e integra o AgTech Garage — considerado um dos maiores hubs de inovação focado no agronegócio da América Latina. A cooperativa parte também do hub de inovação do Instituto Caldeira, em Porto Alegre. 

“Foi com os bons aprendizados no programa que a gente passou a ter capacidade para aprender e experimentar sozinhos. Paramos de fazer eventos e passamos a disponibilizar o modelo como uma ferramenta customizada para as diferentes áreas de negócio da empresa, sob demanda dos times”, explica Murari.

Desde o início da jornada com as startups, em 2018, algumas conexões entre o Sicredi e essas empresas foram concluídas com sucesso, e outras continuam até hoje. Uma delas viabilizou a análise de perfil do associado no Sicredi Mob. A funcionalidade foi lançada em fevereiro do ano passado, antes da pandemia, e já atraiu muitos associados que tinham investimentos em outras instituições financeiras. Desde o início da parceria, a cooperativa já contabilizou mais de R$ 150 milhões transacionados por meio dessa funcionalidade.

A conexão com startups também rendeu otimização de processos internos, inclusive incluindo na área jurídica, que tem cláusulas bem rígidas. Ainda na área administrativa, o desafio de alcançar maior eficiência no registro de despesas com viagens de colaboradores do Sicredi foi solucionado pela startup Paytrack. A parceria tem rendido ao Sicredi em torno de R$ 1 milhão em economia por ano, sem contar os ganhos de uma experiência mais simplificada para o colaborador. 

“Antes, era feito tudo por e-mail e um sistema de requisição. Levava dias para ter o ressarcimento das despesas com hotel, passagem aérea, alimentação. Tinha inconsistências nos dados e era um trabalho bem moroso para ambas as partes, tanto para o colaborador, quanto para o time responsável. AE a Paytrack automatizou e digitalizou todo esse processo”, conta Rodrigo Murari.

A Paytrack está com a cooperativa desde a primeira edição do programa de conexão. E, como a relação é de ganha-ganha, a startup também relata os bons frutos que já colheu depois da aproximação com o cooperativismo. 

“Esses programas são oportunidade para as empresas que estão começando e querem se aproximar de grandes corporações. É quando as empresas estão abertas para algo novo ou têem necessidade de mudar algum processo”, disse Daniele Amaro, CEO da Paytrack.

Daniele reforça que o desafio das despesas e viagens corporativas trouxe melhor visão de produto, e que a parceria permitiu o desenvolvimento dos negócios da startup. Atualmente, o Sicredi é o terceiro maior cliente da Paytrack e cerca de 5% do faturamento total da empresa resultam do contrato com a cooperativa.

“Além de novas funcionalidades de produtos, o aprendizado está associado ao desafio de levar nossa tecnologia para inúmeras cooperativas na ponta, com suas próprias especificidades. Pretendemos criar novos produtos e serviços juntos, alinhados à gestão e ao pagamento de despesas corporativas.”, completa Daniele.

Para conhecer melhor o Projeto Conexão com Startup, assista ao vídeo que preparamos especialmente para você.

1 A inovação aberta é aquela realizada de forma colaborativa, com o envolvimento não apenas dos profissionais de uma empresa, mas de agentes externos, como clientes, fornecedores, institutos de pesquisa, órgãos públicos, startups e outras organizações.

2 Modelo de negócio no qual uma plataforma ou um serviço desenvolvido por uma empresa é revendido por outras empresas sem divulgação dos direitos autorais, ou seja, como se a inteligência por trás do produto fosse da marca que o revende.

3 plataforma de vendas que reúne produtos de diversos fornecedores em um mesmo local. 

4 Modelo econômico baseado em plataformas digitais, ou seja, em  ferramentas ou softwares disponibilizados na internet. A maioria delas funciona como um negócio colaborativo, onde, graças à participação massiva de usuários ou conexão de rede, um produto ou serviço é  trocado, comprado, vendido, alugado ou acessado. Entre as principais plataformas que hoje movimentam a economia estão a Uber, o IFoods e o Airbnb.

5 O MVP é a versão mais simples e enxuta de um produto ou serviço. A lógica é entregar a principal proposta de valor idealizada com o mínimo possível de recursos

Um novo tempo

“As transformações digitais tão necessárias para o mundo dos negócios dependem mais do comportamento humano do que das máquinas.” A avaliação é de José Salibi Neto, um dos maiores especialistas do Brasil e do mundo quando o assunto é gestão. 

Salibi sabe como ninguém o que as empresas e os profissionais precisam fazer para atingirem suas melhores performances. E acredita que, nestes novos tempos, mais do que investir em tecnologia, é necessário incentivar a mudança de mentalidade —– tanto de gestores quanto de funcionários. 

Profundo estudioso do tema, ele se dedica há anos e com afinco a compartilhar todo o seu conhecimento e colaborar para o sucesso das organizações. Aprendiz e amigo de Peter Druker — um dos gurus da administração e gestão —, Salib é pesquisador, palestrante, empreendedor, autor de livros e professor. 

Além disso, é um dos criadores da HSM, uma das maiores empresas do país no segmento de educação executiva. Trabalhou por lá cerca de 30 anos até resolver alçar novos voos profissionais.

Debruçou-se, então, a estudar as transformações que estão surgindo com as novas tecnologias e como isso tem impactado os profissionais, as organizações e os próprios modelos de gestão e de negócios. Desses estudos e de toda a sua trajetória trabalhando com os maiores pensadores do tema e líderes mundiais, surgiram importantes livros.

Com Sandro Magaldi, escreveu a Tríade da Gestão Exponencial, que é composta por três obras: Gestão do Amanhã, o Novo Código da Cultura e Estratégia Adaptativa: O novo tratado do pensamento estratégico, que foi publicado no fim de 2020. 

Nesse último livro, os autores desenvolveram o conceito de “estratégia adaptativa”, um modelo de gestão mais alinhado com os novos tempos, em que é preciso trabalhar com dados, agilidade e cultura, tendo o cliente como foco. O objetivo da obra é auxiliar as empresas a se adaptarem a estsa nova era, inovarem e se manterem competitivas.

Nesta entrevista para a Revista Saber Cooperar, José Salibi Neto aborda esse novo modelo estratégico essencial às empresas —, as transformações digitais —, compartilha suas impressões sobre o momento que estamos vivendo e mostra, de maneira bem sincera e construtiva, como as cooperativas podem aplicar todos esses conhecimentos à sua realidade. Confira:

Saber Cooperar: Você poderia começar contando um pouco mais sobre seu novo livro? Como ele surgiu?

José Salibi Neto: A origem de tudo foi o nosso livro Gestão do Amanhã, um manifesto que mostra o ambiente em que estamos vivendo e como a tecnologia está transformando a gestão. Lançamos o livro há uns três anos e meio. E depois nós percebemos, pesquisando mais, que, se as empresas não criassem o ambiente correto, se não tivessem a cultura correta, não conseguiriam fazer as transformações digitais. Percebemos que o digital tem mais a ver com comportamento do que com máquina. E com isso a gente acaba jogando com a ideia de uma nova maneira de pensar a estratégia. 

Saber Cooperar: Então, a estratégia está mudando ao longo do tempo?

Salibi Neto: A estratégia se divide em três grandes blocos. O primeiro bloco, que vai da Primeira Revolução Industrial até o fim dos anos 1970, é o bloco da Era das Operações. Do começo dos anos 1980, quando tivemos o advento da globalização, até os anos 2000, tivemos a Era da Competição, onde o foco era o competidor. Depois, a partir dos anos 2000, a tecnologia pega uma tração muito grande e derruba barreiras.

Saber Cooperar: E qual é o diferencial deste bloco que estamos vivendo?

Salibi Neto: Nele, a única chance de ter sucesso é focando no cliente e colocando-o ele no centro. Logicamente, rodeado por dados; por uma inovação constante, uma vez que os ciclos dos produtos e serviços estão ficando cada vez mais curtos e os sistemas, mais ágeis; e uma cultura [organizacional] que impulsione tudo isso.

Saber Cooperar: De onde “beberam” para desenvolverem esse conceito de Estratégia Adaptativa?

Salibi Neto: Esse modelo é uma evolução do modelo do professor Michael Porter, o pai da estratégia competitiva. Agora, chamamos de Estratégia Adaptativa para mostrar uma nova maneira de pensar em um mundo dirigido pela tecnologia.

Saber Cooperar: Qual é o grande diferencial deste momento que estamos vivendo?

Salibi Neto: A partir do momento em que a tecnologia pega tração nos anos 2000, em que vimos a ascensão da computação em nuvem, streaming e um mundo cada vez mais digital, o cliente toma um novo poder. Ele fica completamente empoderado.  Antes, as empresas que focavam na competição, procuravam criar barreiras para que ninguém entrasse. Um exemplo são os bancos: eles criavam milhares de agências;, então, era praticamente impossível começar um banco. De repente, vem a tecnologia, que começa a crescer exponencialmente, e surge um banco como o Nubank, que tem 40 milhões de clientes e nenhuma agência. Entramos nessa era do empoderamento do cliente, onde, obviamente, é importante olhar para a concorrência, mas o foco é resolver os problemas, as necessidades e demandas dos clientes.

Saber Cooperar: Então não basta as organizações investirem em tecnologia, certo?

Salibi Neto: Com certeza, não. Qualquer empresa que tem dinheiro compra tecnologia. É o exemplo que sempre dou: as operadoras que colocam seus robôs para ligar para mim e para milhões de brasileiros estão usando a tecnologia, mas estão usando de maneira errada. Não adianta nada ter tecnologia se não tiver os comportamentos certos e souber potencializar essas tecnologias para que elas joguem ao seu lado, e não contra você.

Saber Cooperar: Quais têm sido os principais empecilhos para a maioria das empresas nestes novos tempos?

Salibi Neto: O maior empecilho tem sido a cultura organizacional. Essa cultura é formada por comportamentos, artefatos, crenças, pressupostos, normas. A cultura de uma empresa é o jeito que ela faz as coisas. 

Saber Cooperar: E como é possível conseguir essas transformações?

Salibi Neto: Primeiro, é importante lembrar que nós temos dois tipos de empresas: as startups, que são empresas novas, que estão aproveitando as tecnologias para resolver problemas que não eram resolvidos pelas empresas tradicionais; e temos as empresas tradicionais, que nasceram em um mundo voltado para a concorrência, em que clientes eram importantes, mas não eram prioridade. Para mudar isso, tem que mudar o comportamento da empresa. 

Saber Cooperar: Existe resistência? Medo? Conservadorismo?

Salibi Neto: Todo mundo já entendeu que precisa mudar. Mas não sabem como, o. Ou fazem de uma maneira equivocada. Muitas acham que é só tecnologia, comprar inteligência artificial e robôs, ou seja, não é só tecnologia, é preciso mudar pessoas. Só que mudar pessoas dá muito trabalho. Para conseguir mudar comportamentos de uma empresa tradicional grande, leva, no mínimo, três anos.

Saber Cooperar: Pode dar exemplo de uma empresa que tem conseguido fazer isso bem?

Salibi Neto: São poucas. Um dos exemplos é a Magazine Luiza. Ela era uma empresa varejista que só vendia produtos, e hoje é uma plataforma digital, centrada no cliente, que está sempre inovando. É um típico exemplo dao Estratégia Adaptativa. Então, pPara operar nesse mundo, você precisa mexer em várias coisas: na cultura, nos dados, em sistemas ágeis.

Saber Cooperar: Arriscar é preciso?

Salibi Neto: Antes, na cultura de eficiência, as pessoas não podiam errar. Se elas errassem, eram crucificadas. Agora, a gente não consegue inovação se as pessoas não se arriscarem, se não tentarem e errarem. O erro, no sentido de tentar coisas, é muito importante.

Saber Cooperar: Acredita que os profissionais do mercado estão prontos para isso?

Salibi Neto: Eu vi uma pesquisa recentemente dizendo que somente 2% dos colaboradores de uma empresa tradicional estão preparados para mudar em um mundo digital como conhecemos. É necessário desenvolver a competência digital dos colaboradores. É fundamental! Porque senão as empresas não conseguirão se adaptar.

Saber Cooperar: Qual é a habilidade profissional mais relevante nestse momento?

Salibi Neto: As habilidades necessárias evoluíram. As habilidades antigas —– como saber liderar pessoas, trabalhar em equipe, criar ambientes colaborativos —– são importantes; mas hoje temos outras habilidades. Uma delas é saber conectar as pontas. Hoje temos um universo grande de habilidades e tecnologias, e todas estão se convergindo. Antes, você mandava o cara da Tecnologia da Informação para resolver isso, mas hoje, se o líder não souber fazer essas conexões, acabam sendo engolidos. 

Saber Cooperar: E quanto às cooperativas? Quais mudanças são essenciais para que elas façam frente a todas essas transformações de maneira competitiva?

Salibi Neto: Acho que é necessária uma revisão na governança do sistema cooperativista, que é um sistema de muito sucesso. Admiro o sistema cooperativista porque acho que é a maneira de um país como o Brasil se desenvolver. Mas o sistema cooperativista precisa abraçar novas ideias, gestão de dados, tecnologia e transformar cultura. A cultura cooperativista também é uma cultura forte que não foi readaptada para o tempo que vivemos. Então, é importante uma série de revisões, já que o mundo das startups não tem piedade: a hora que ele vê uma lacuna em algum lugar, ele vai lá com uma solução tecnológica e passa por cima.

Saber Cooperar: Como isso pode ser feito?

Salibi Neto: As cooperativas, agora, têm um senso de urgência. Elas precisam que seus líderes, em cima, se juntem, vejam o que é preciso mudar, e até mesmo se é preciso mudar pessoas; e ir cascateando isso para baixo, para as outras cooperativas. Podem criar centros de inovação, labs (laboratórios) e fazer auditoria na questão cultural para ver quais pessoas têm a propensão de abraçar essas questões, que tipo de tratamento vai ser feito. É necessária uma revisão para que o cooperativismo possa crescer nos próximos 100 anos. Se continuar operando como sempre operou, está sim em uma situação muito vulnerável.

Saber Cooperar: Essas iniciativas da OCB quanto à inovação e capacitação dos cooperados são fatores positivos?

Salibi Neto: Com certeza. Eu sou um dos fundadores da HSM e, nos eventos que nós fizemos durante todos esses anos, percebemos o mundo cooperativista sempre muito presente. É uma comunidade que tem uma aprendizagem na veia. Por exemplo, o mundo varejista aprendeu pouco e, por isso, tem tantas empresas se perdendo. Já o mundo cooperativista é um mundo que estuda, aprende.

Saber Cooperar: A gestão colaborativa pode ser um ponto positivo das cooperativas nestses novos tempos?

Salibi Neto: Certamente. Mas vejo muita cooperação entre uma cooperativa e os seus cooperados, e sinto que não existe grande cooperação entre as próprias cooperativas. A gente vê uma cidade com um monte de cooperativas, cada um fazendo a sua parte, mas sem muita união. Esse conceito de colaboração também precisa existir entre as cooperativas.

Saber Cooperar: E qual é a importância de estar atento às tendências do mercado e às próprias iniciativas desenvolvidas por startups?

Salibi Neto: As cooperativas precisam rever sua própria missão para aproveitar as possibilidades do mundo voltadas para a tecnologia e para criar mais valor para os seus cooperados. Assim, recomendo que o mundo cooperativista vá lá, por exemplo, no Luiza Labs [laboratório de Tecnologia e Inovação do Magazine Luiza] para ver como eles fizeram. Uma empresa de quase 70 anos, que há seis anos ninguém acreditava mais nela. Agora, seis anos depois, está valendo mais que o Bradesco. Eles abraçaram a causa e mudaram. 

Saber Cooperar: A cultura de dados também é importante nesse contexto?

Salibi Neto: Dado hoje é o novo petróleo. É você ter o comportamento do cliente através da tecnologia para criar produtos e serviços mais voltados para ele. Quando ligo a Netflix, o algoritmo está falando comigo o tempo todo e vendo como estou me comportando. E, a partir disso, ele faz recomendações. Os dados das cooperativas têm que ser da mesma maneira: trazer os comportamentos dos clientes para possibilitar o desenvolvimento de produtos e serviços que façam sentido.

Saber Cooperar: O que você recomendaria para os cooperados que querem começar a entender melhor sobre todas essas mudanças?

Salibi Neto: Não é querendo vender meus livros, mas eu e meu sócio, Sandro, nos dedicamos a vida inteira a criar ferramentas de gestão que ajudem as empresas estabelecidas neste mundo, começando pelo mindset, pela cultura e por uma nova maneira de pensar a estratégia. Então, assim, ler os nossos livros é importante. Também tem um livro chamado Mindset da Inovação, do Guilherme Horn, que é fantástico. Esse já é um bom começo: ler. Depois que todo mundo entrar em um acordo e perceber que é isso que precisam fazer, partir para a parte de operacionalizar as coisas. É importante ler, discutir e implementar. 

Saber Cooperar: O que podemos esperar do futuro?

Salibi Neto: Pode ser muito brilhante para uns e um tormento para os que não se adaptarem. É brilhante, porque a gente vive hoje em um mundo de tecnologias cada vez mais baratas que fazem com que a gente tenha uma vida prática; que a ciência aumente a nossa longevidade; que as máquinas pensem como nós (e logo pensarão melhor que nós). A gente vive em um mundo novo e dirigido pela tecnologia, e quem não souber se adaptar vai ser engolido. Não tem jeito, não tem meio- termo. Já não é uma opção, é uma obrigação.

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Esta matéria foi escrita por  Tchérena Guimarães e está publicada na Edição 35 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação

Sonhos reciclados durante a pandemia

O cenário era desanimador. Em março de 2020, pouco se sabia sobre as principais formas de transmissão do novo coronavírus. Naquele primeiro momento, acreditava-se que tocar superfícies supostamente contaminadas seria o suficiente para infectar qualquer pessoa com a doença. As cooperativas de reciclagem tinham de se preocupar tanto com a saúde dos cooperados quanto com a continuidade dos negócios. Afinal, por todo o país, diversos municípios publicaram decretos proibindo a coleta seletiva, fechando os galpões das cooperativas ou até mesmo obrigando os resíduos recicláveis a passar por uma espécie de “quarentena” até que os supostos vírus que poderiam estar neles morressem. Com isso, milhares de catadores se viram ameaçados de ficar sem fonte de renda por todo o país.

Mais de um ano depois, o panorama é completamente diferente. As cooperativas retomaram suas atividades, afastaram apenas os cooperados que eram considerados de risco, adotaram novas práticas sanitárias e de distanciamento social e, com mudanças no mercado, agora faturam o mesmo, ou – em alguns casos – até um pouco mais do que antes da pandemia.

Os resultados têm sido surpreendentes. Até o momento, as principais cooperativas registraram poucos casos de contaminação entre os cooperados e nenhuma hospitalização ou morte por Covid-19.

“Eu podia falar que foi ruim, é a história que todo mundo conta; só que pra gente teve momentos ruins, mas também teve momentos bons. Quando a pandemia começou, e ninguém sabia como ia ser, o governador do Distrito Federal editou uma portaria proibindo a coleta seletiva na capital e no entorno. Ficou complicado, porque temos 11 contratos de coleta seletiva e atuamos em 15 cidades do DF. Em quase metade dos municípios e no entorno de Brasília, a coleta é feita por cooperativas”, explica Cleusimar de Andrade, da Cooperativa Recicle a Vida, coordenador da recém-criada Câmara Temática das Cooperativas de Reciclagem da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB).

Segundo ele, a categoria conseguiu, junto ao governo distrital, se equiparar aos garis como prestadores de serviços essenciais e, dessa forma, teve acesso aos auxílios financeiros concedidos para os trabalhadores que precisaram ficar em casa. Cerca de três meses depois da restrição, os cooperados puderam voltar às atividades.

“Quando começamos a ver que o vírus não se espalhava pelos materiais, começamos a nos organizar para voltar. Nas cooperativas, onde trabalhamos em esteiras, passamos a fazer distanciamento, a trabalhar usando máscara, EPI, luvas. Com mais segurança, foi possível trazer mais gente”, relembra.

CRESCIMENTO

Mas, como ficou a renda dos cooperados? De acordo com a pesquisa Ciclosoft 2020, em 545 cooperativas, no ano de 2019, a maioria dos catadores tinha renda entre um e dois salários mínimos (42,99%); na pesquisa de 2020, , realizada de julho a outubro, 58,72% dos cooperados relataram uma queda na renda, 20% permaneceram na mesma faixa e, por incrível que pareça, quase um a cada oito (12,48%) passou a ganhar mais. 

Para Cleusimar, esse aumento deve-se ao fato de que o perfil de consumo dos brasileiros – especialmente nas grandes cidades – mudou ao longo da pandemia. Com mais gente ficando em casa, mesmo que o isolamento não tenha sido observado em todo o território nacional, mais e mais pessoas começaram a comprar produtos pela internet, tanto por delivery de alimentos como outros produtos, como eletrodomésticos, roupas e móveis.

“Isso ajudou a melhorar a situação, porque as pessoas começaram a gerar mais resíduos, ter mais embalagem e, ao mesmo tempo, veio a questão do mercado internacional, que diminuiu a importação de matéria-prima, e o material reciclado aumentou de preço. Alguns produtos quase dobraram de preço, como o papelão. O ferro, que era vendido a cerca de R$ 300 a tonelada, foi pra mais de R$ 1.100. Foi uma oportunidade pra melhorar a renda”, reconhece.

Apesar dessa boa notícia,  o crescimento do setor de reciclagem não foi igual em todas as áreas. Nas cooperativas com pessoas mais velhas ou com comorbidades, o trabalho praticamente foi paralisado; também foi preciso criar campanhas de ajuda para os cooperados afastados por questões médicas, como conta Aline Souza da Silva, presidente da Rede de Cooperativas de Catadores de Materiais Recicláveis do DF (Centcoop).

“A gente trabalha para não precisar dessas coisas, para ter dignidade. Mas, para esses que ainda não podem voltar, fazemos campanhas, adquirimos cestas básicas, cestas de produtos de limpeza”, conta ela. As cooperativas vinculadas à Centcoop também têm recebido auxílios na forma de doações de máscaras, EPIs, álcool em gel e outros insumos para que possam desenvolver suas atividades com segurança.

LONGE DA CAPITAL

Em São Paulo, cidade que conta com duas importantes centrais mecanizadas de triagem, as cooperativas associadas que têm contratos com a prefeitura conseguiram manter mais de 1.000 catadores afastados, com um auxílio que chegava a R$ 1.200 por mês, durante quase todo o ano de 2020. Quem explica é o presidente da Cooperativa de Coleta Seletiva da Capela do Socorro (Coopercaps), Telines Basílio do Nascimento Jr, o Carioca.

“Essas duas centrais mecanizadas absorveram todo o resíduo reciclável da cidade. Foi com as vendas delas que a gente conseguiu manter os cooperados em casa dando o auxílio. Por elas serem mecanizadas, precisam de um contingente menor trabalhando”, detalha.

A vida das cooperativas que não contam com esse tipo de convênio, no entanto, foi um pouco mais difícil. 

“As cooperativas que não têm nenhum relacionamento com a prefeitura ficaram numa situação delicada; algumas conseguiram o auxílio do governo federal, outras não. Para essas, a gente precisou fazer uma vaquinha para auxiliar”, diz o dirigente.

Para os próximos meses, os líderes das cooperativas de reciclagem paulista esperam que o preço dos materiais fique mais próximo dos patamares antigos. Com isso, esperam se proteger de eventuais perdas nas rendas dos cooperados.

“Agora o preço está começando a voltar ao normal e estamos nos preparando para voltar a crescer. A gente faz a comercialização de maneira centralizada para conseguir um preço melhor. Nosso objetivo é atender à indústria e chegar neles antes que o mercado volte à normalidade”, explica Aline. Para ela, a proteção de uma negociação conjunta por meio da Câmara Temática de Reciclagem da OCB pode ser fundamental para isso.

EM DEFESA DOS COOPERADOS

A criação da Câmara Temática das Cooperativas de Reciclagem dentro do âmbito da OCB, em março deste ano, pode se tornar um ponto de virada para o setor em um futuro próximo. A possibilidade de ter um fórum específico para definir pautas estratégicas e  poder negociar de maneira coletiva com fornecedores, clientes e o poder público representa um avanço na agenda dessas instituições.

Atualmente, a OCB representa um total de 97 cooperativas de reciclagem em todo o Brasil, com cerca de 3 mil cooperados em 11 estados brasileiros e no Distrito Federal. Todo o processo de implantação da Câmara foi feito remotamente, segundo Alex Macedo, analista técnico e econômico da organização.

“Até então, a gente não tinha um espaço institucional formalizado pra poder ouvir os representantes, saber necessidades, anseios, questões que envolvem o poder público, problemas de gestão e confiança. A gente começou tudo de forma on-line; no ano passado ainda não tinha a possibilidade de fazer presencial, toda a articulação e as reuniões foram feitas de forma remota”, relata.

Os objetivos da Câmara, segundo ele, são buscar uma aproximação com o Ministério do Meio Ambiente, com o setor de embalagens, para tratar a questão da logística reversa, e também com o Congresso Nacional, para abordar questões e monitorar leis e projetos para o setor, além de garantir a segurança jurídica e ver oportunidades para os cooperados.

“Nós temos sentido essa aproximação. As pessoas viam a gente como miseráveis, coitadinhos, queriam fazer doação. Agora, que começamos a nos organizar realmente como empresas, começaram a nos enxergar de outra forma. Essa câmara nos coloca essa forma de nos organizar e não sermos excluídos”, explica o coordenador da Câmara Temática.

Para Aline Souza, da Centcoop, a negociação coletiva tende a fortalecer todo o setor, inclusive no momento de conseguir preços melhores para os materiais que são reciclados pelas cooperativas e revendidos para o setor industrial.

“Antes da pandemia e de a rede ser inaugurada, o pessoal vendia o papelão a R$ 0,35, o quilo; agora, subiu para R$ 1,50. A gente sabe que na indústria não custa menos de R$ 3. Esperamos que a Câmara Temática da OCB nos ajude a fortalecer o nosso trabalho e a coleta seletiva. E uma parte importante disso é a gente trabalhar pro produto não ser tributado novamente, senão fica inviável”, alerta.

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Esta matéria foi escrita por Fábio Fleury e está publicada na Edição 34 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação

Mão dupla

O paranaense Aucenir Ribeiro de Assis largou o campo para virar motorista autônomo há 10 anos. Morador de Jesuíta, município no interior do Paraná, precisou viajar por todo o Brasil levando diferentes tipos de carga. Na última década, precisou fazer diversas manutenções caríssimas no veículo. Mas, no ano passado, a situação apertou: depois de milhares de quilômetros rodados país afora, estava na hora de aposentar seu companheiro de estrada e adquirir um caminhão novo. Foi graças à intercooperação entre a cooperativa em que é associado — a Cooperativa de Transporte de Cafelândia (Coopercaf) — e o Sicredi Nossa Terra que essa troca foi possível.  

De acordo com a Federação das Empresas de Transporte de Cargas do Estado do Paraná (Fetranspar), mais de 18 mil caminhoneiros passam pelas estradas do estado durante o ano. Tal qual seu Aucenir, muitos deles precisam trocar peças, o caminhão e/ou a carreta por uma versão mais atual para continuar trabalhando. A burocracia e as altas taxas de juros de muitos bancos poderiam tornar o crédito inviável para um motorista autônomo. Mas, graças à intercooperação entre cooperativas de transporte e de crédito, esse empréstimo é possível – e acessível. 

“A intercooperação facilita muito o acesso e as oportunidades para o associado”, diz Aucenir. As duas principais vantagens desse tipo de parceria para o cooperado são a facilidade para negociar o crédito e os juros mais baixos. “Uma pessoa como eu, de baixa renda, não conseguiria se enquadrar para conseguir o crédito que precisava em um banco tradicional. Graças à minha cooperativa e ao Sicredi, consegui o empréstimo que precisava, a juros acessíveis. É uma grande parceria e uma grande oportunidade para todos nós”, relata.  

APOIO MÚTUO

A Coopercaf congrega, hoje, centenas de motoristas como Aucenir. Ela tem a intercooperação como um de seus princípios para o crescimento, tanto da cooperativa como para os cooperados. Prova disso é que presta serviços de transporte, principalmente, para cooperativas, como a Copacol, localizada na região sudoeste do Paraná.

Aliás, foi dentro da Copacol que a Coopercaf foi fundada, há cerca de 25 anos. Hoje, a cooperativa de agronegócio é responsável por mais de 80% do serviço de transporte fretado, segundo o presidente da empresa, Edson Zonta. Ele relata que, de 1998 pra cá, sempre houve essa parceria entre as duas cooperativas. “A intercooperação estimula um maior faturamento dos associados e a Copacol não precisa correr atrás de ninguém para fazer o transporte dos produtos”. 

Segundo o contador da Coopercaf, Marcelio Koehler, antigamente, os motoristas autônomos sofriam para arranjar trabalho na região durante a entressafra. A situação mudou com a chegada da Coopercaf e das demais cooperativas de transportes. 

“Nossa região é totalmente agrícola. Se o motorista era daqui, precisava buscar trabalho em outros estados para conseguir manter a renda quando terminava a safra daquele ano”, diz Koehler. “Antes, a demanda era de um ou dois meses no ano. O benefício de se associar a uma cooperativa é que tem trabalho o ano todo.” 

A parceria entre as duas cooperativas tem gerado inúmeros frutos, inclusive para a Copacol. Fundada em 1963 no interior do Paraná, a cooperativa reúne os principais produtores de frango e peixe do estado. Atualmente, conta com 6 mil cooperados e exporta os produtos para todo o Brasil e mais de 50 países. 

De acordo com o superintendente de logística da Copacol, Itamar Ferrari, esse número só foi alcançado graças à cooperação entre cooperativas. “A intercooperação nada mais é do que ser atendido por uma cooperativa de uma área ou de um ramo que não é o meu. Serve para que elas, cada uma no seu segmento, se fortaleça ainda mais”, diz, destacando a parceria de décadas com a Coopercaf. “Antigamente, eram motoristas individuais que trabalhavam conosco. O que viram lá atrás foi a necessidade de criar uma cooperativa de transporte, para atender a Copacol e os próprios cooperados.” 

ALIANÇA NO SUL

A intercooperação da Copacol se estende a outras cooperativas do Paraná. Além da Coopercaf, tem forte parceria com a Cotriguaçu, focada em contêineres; com a Frimesa, maior central de cooperativas de abate e processamento de suínos do Paraná e uma das maiores empresas do Brasil de recebimento de leite; e com a Coagru, da agropecuária. 

Ferrari destaca, ainda, a intercooperação feita com as cooperativas de crédito. “A Sicredi Nossa Terra, de Cafelândia, iniciou suas atividades como um braço financeiro dentro da Copacol”, diz o superintendente, salientando que a maioria dos associados da Copacol também são associados de alguma instituição de crédito, como Sicoob, Cresol e Sicredi. 

O Sicredi, por sua vez, possui cooperativas entre as 10 maiores de crédito do Brasil, como Sicredi Central PR/SP/RJ, Sicredi Vanguarda PR/SP/RJ e Sicredi União PR/SP.  O Sicredi Nossa Terra PR/SP, braço sudoeste paranaense da cooperativa, surgiu em 1988 com o nome de Cooperativa de Crédito Rural (Credicopa), formado por 47 agricultores da Copacol. Em 1999, se desvinculou da cooperativa-mãe e, em 2008, passou a se chamar Sicredi Nossa Terra. Hoje, além da região de Cafelândia, atende cooperados de outros 13 municípios do Paraná e de São Paulo, tanto da agropecuária como do transporte. 

Maura Carrara, presidente do Sicredi Nossa Terra, destaca a importância da intercooperação com cooperativas do interior do Paraná, com destaque para as cooperativas de consumo, canavieiro e de transporte, para um efeito dominó na expansão das demais cooperativas locais.

“A intercooperação sistêmica assegurou especialmente o fortalecimento, o ganho de escala e a segurança que o setor exige. E, na soma de tudo isso, quem ganha são os associados e as comunidades com cooperativas pujantes”, afirma. 

ROTA DE CRESCIMENTO

Já em Curitiba, um trabalho de intercooperação entre cooperativas de transporte e de crédito tem rendido frutos importantes para os trabalhadores autônomos. A Transpocred, cooperativa de crédito de Santa Catarina, chegou ao Paraná em 2018 e, até o ano passado, já se expandiu para municípios do interior, como Cascavel, Londrina e Maringá, com previsão de começar a operar em Foz do Iguaçu ainda este ano. 

Focada em crédito para cooperados do Ramo Transporte, a Transpocred abriu um posto de atendimento junto ao Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas no Estado do Paraná (Setcepar). Além de atender seus associados, tem feito um trabalho conjunto com os motoristas autônomos ligados à Federação das Empresas de Transporte de Cargas do Estado do Paraná (Fetranspar). 

Mas o foco está entre as cooperativas de transporte do estado. O gerente da Transpocred em Curitiba, Jacson Melo, destaca o desejo de ampliar ainda mais o alcance entre os associados paranaenses. Hoje, atua fortemente com três cooperativas de cargas e transporte rodoviário no Paraná: Cooperleste, em Piên; Cooplog, em Maringá; e a CTA, em Astorga. “Mas o desejo é expandir cada vez mais no estado, e queremos nos aproximar das outras 32 cooperativas de transporte”, diz Jacson.

Atualmente, a cooperativa conta com 2.258 cooperados (pessoas física e jurídica) em todo o Paraná. Desde 2018, já liberou mais de R$ 67 milhões em operações de crédito no estado, relacionados a empréstimos e financiamentos. Segundo Jacson, cooperativas de crédito como a Transpocred “são importantes porque são segmentadas, ou seja, nascemos dentro da área de transporte e sabemos como o negócio funciona. Temos conhecimento dos produtos e serviços que casam com eles, como os tipos e preços de caminhões novos e usados, como funciona o capital de giro, assim por diante. Por isso conseguimos oferecer créditos a valores mais baixos para os motoristas”. 

EM ALTA

Apesar da pandemia de Covid-19, o ano de 2020 trouxe alguns resultados benéficos para as cooperativas paranaenses. De acordo com levantamento feito pela área de monitoramento do Sistema Ocepar, no Paraná, as 59 cooperativas agropecuárias do estado tiveram um crescimento de 36,7% no ano passado, com valor que superou R$ 100 bilhões — número alcançado graças à intercooperação.

A intercooperação é considerada o sexto princípio fundamental do cooperativismo, segundo o congresso coordenado pela Aliança Cooperativa Internacional (ACI). De acordo com o superintendente do Sindicato e Organização das Cooperativas do Estado do Paraná (Ocepar), Robson Mafioletti, a intercooperação é fundamental para o ganho em escala. “Quanto mais cooperativas estiverem juntas, maior é a quantidade produzida, e até mesmo a aquisição de insumos e matérias-primas. Isso reflete na qualidade e no valor dos produtos e serviços ofertados pelos cooperados”, diz ele. 

Mafioletti destaca o trabalho feito pela Transpocred, de Santa Catarina, e a parceria com a Fetranspar e Setcepar; e a Evolua, cooperativa de crédito de Francisco Beltrão, no sudoeste paranaense, trazendo inúmeros benefícios para seus associados.  “[A intercooperação] foi importante para trazer crédito. Afinal, esse é o insumo de qualquer negócio e qualquer empreendimento”, afirma. 

O superintendente ainda ressalta a intercooperação entre outras cooperativas agropecuárias do estado, como Castrolanda, Frísia e Capal — responsáveis por leite, carne suína e trigo, respectivamente —, e que formaram a Unium. Com menos de quatro anos de existência, o faturamento em conjunto das três cooperativas cresceu 21,6% e o número de cooperados aumentou em 45,5%, se comparado com 2014, segundo relatório da própria marca. Outro destaque é a Cotriguaçu, central logística ferroviária formada por Coopavel, Copacol, Lar e C. Vale, que investiu R$ 300 milhões para a construção do novo corredor de exportações no Porto de Paranaguá.  

BRASIL MAIS COOPERATIVO

Na manhã de 25 de junho de 2021, lideranças cooperativas das regiões Sul e Nordeste se reuniram com técnicos de entidades; com o presidente do Sistema OCB, Márcio Lopes de Freitas; o representante do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), Cristian Fischer; e o Secretário de Agricultura Familiar e Cooperativismo no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Fernando Schwanke, para debater o Projeto Eixo Intercooperação do Programa Brasil Mais Cooperativo. 

O projeto é um exemplo de como a intercooperação pode ajudar as cooperativas de diferentes regiões e áreas, inclusive do outro lado do país. Liderado pela OCB e pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), foram reunidas 24 cooperativas de sete estados do Nordeste com nove cooperativas dos três estados do Sul. Segundo o superintendente da Ocepar, Robson Mafioletti, as reuniões já estão avançadas e esperam que os trabalhos de intercooperação do projeto comecem em breve. “Temos várias possibilidades de parcerias. São cooperativas agropecuárias e que poderão comercializar os produtos do Paraná para a Região Nordeste, incluindo hortifrúti, queijos, carnes e mel”, diz. 

De acordo com o presidente do Sistema OCB, essa é uma iniciativa importante de incentivo à intercooperação. “Não será fácil, mas valerá a pena quando cumprirmos com esse processo de integração. Uniremos esforços para que as cooperativas possam trocar informações e se desenvolver de forma conjunta. Precisamos de resiliência, e o apoio do governo é fundamental como alavanca, além da parceria com o IICA, que poderá abrir portas para outras integrações. Agradeço a cada uma das cooperativas que aceitaram o convite desta parceria”, frisou o dirigente.

Apesar de o programa não contar com cooperativas de crédito da Região Sul, quem trabalha no setor vê a iniciativa com otimismo. Jacson Melo, gerente da Transpocred, afirma que tanto as cooperativas de transporte como as de crédito serão beneficiadas indiretamente. 

“O Brasil Mais Cooperativo é focado nas cooperativas agrícolas. Mas, a partir do momento em que aumentarem o rendimento graças ao incentivo de programas como esses, os motoristas terão mais trabalhos, terão uma demanda ainda maior por novas peças e veículos, e, consequentemente, aumentará a busca por crédito”, completa. 

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Esta matéria foi escrita por Renato Crozatti e está publicada na Edição 34 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação

Conectados pelo cooperativismo

O cooperativismo está em vias de se tornar uma importante ferramenta de inclusão digital no campo. O Projeto de Lei 8.824/2017, que autoriza as cooperativas a operarem os serviços de telefonia móvel e banda larga, foi aprovado na Câmara dos Deputados e segue para tramitação no Senado. De autoria do deputado Evair de Melo (ES), presidente da Frente Parlamentar do Cooperativismo (Frencoop), o projeto pretende ampliar a oferta do serviço de telecomunicações a um preço mais baixo, e com ênfase nas comunidades rurais. 

De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 11,6 milhões de domicílios no país têm condições de arcar com os custos de uma conexão com a internet, mas não dispõem do serviço em suas localidades. Em outro levantamento, de agosto de 2020, o mesmo instituto constata que 6 milhões de estudantes brasileiros — da pré-escola à pós-graduação — não dispõem de acesso domiciliar à internet para acompanhar aulas e outras atividades on-line. E o último censo agropecuário, realizado há quatro anos, identificou mais de 3,6 milhões de propriedades sem internet, o que corresponde a mais de 70% das unidades no campo.

A legislação em vigor atualmente em relação ao setor engessa o processo, ao obrigar as cooperativas a criarem empresas comerciais para a prestação do serviço de telecomunicações — o que impacta negativamente no fortalecimento do nosso modelo de negócios, além de aumentar os custos da prestação dos serviços.     

Tânia Zanella, superintendente da OCB.

Reconhecer o cooperativismo como uma alternativa viável para a prestação de serviços de internet colabora com a universalização do acesso das telecomunicações em todo o território brasileiro e contribui para o desenvolvimento econômico e social”, destaca Tânia Zanella, superintendente da OCB.

Para ela, o êxito das cooperativas de infraestrutura na oferta de energia elétrica no interior do país confere ao cooperativismo a competência necessária para também levar a conectividade ao campo. Vale destacar: atualmente, mais de 4 milhões de pessoas têm acesso a serviços de qualidade e à universalização da energia elétrica por causa de uma coop. 

PRIORIDADE

A aprovação do PL 8.824/2017 — que autoriza as cooperativas a fornecerem serviços de telecomunicações no campo — é uma das sete prioridades da Agenda Institucional do Cooperativismo para 2021. Por isso, toda a equipe técnica e de representação da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) está empenhada em agilizar a aprovação do projeto no Senado.

“Atualmente, 35 mil famílias de produtores rurais têm acesso à internet graças às empresas de propriedade de cooperativas. Esse acesso tem ajudado a ampliar a eficiência da administração das propriedades rural, colaborado com a formação e a qualificação de pessoal por meio de aulas on-line, e estimulado a incorporação de novas tecnologias e uma produção cada vez mais sustentável. Por esse motivo, é tão importante garantirmos que as cooperativas possam ser permissionárias diretas deste tipo de serviço”, explica Tânia Zanella.

O presidente da Confederação Nacional das Cooperativas de Infraestrutura (Infracoop), Jânio Stefanello, acrescenta: o cooperativismo tem tudo para ser um grande braço de desenvolvimento na condução dessa infraestrutura e da tecnologia para o interior. “É por isso que estamos todos engajados nessa causa”, reforça.

Stefanello espera transformar o quanto antes os 20 mil consumidores das atuais empresas de telecomunicação ligadas à Infracoop em cooperados. Com  a mudança, explica o dirigente, o consumidor passará a participar ativamente da gestão da cooperativa, na definição da qualidade do serviço e do preço. 

PIONEIRISMO

A cooperativa de geração e distribuição de energia elétrica gaúcha Coprel foi uma das pioneiras na criação de empresa limitada para a prestação do serviço de telecomunicações. Atualmente, a Coprel Telecom oferece cerca de 32 mil conexões urbanas e rurais, em 35 municípios do Rio Grande do Sul. Ela vem cumprindo com sucesso o papel de levar a internet para o campo, mas, no que depender dos dirigentes da Coprel, será transformada em cooperativa assim que o PL 8.824/2017 for aprovado e transformado em lei.

Jânio Coprel

“Para os consumidores, é melhor ter um serviço prestado por cooperativa. A conexão será mais fácil e a um custo menor”, explica Luís Fernando Volpato, facilitador da Coprel. 

Ele menciona, ainda, que a área rural não é atrativa para as grandes operadoras. Por isso, as cooperativas de infraestrutura são os principais aliados do governo no processo de universalização da internet no campo. Atualmente, do total de propriedades rurais conectadas à rede mundial dos computadores (cerca de 20%), apenas uma pequena porcentagem (entre 6% e 8%) consegue utilizar o acesso em seus sistemas de produção, plantio e colheita. 

A conexão é importante para o agricultor e, especialmente, para seus filhos e netos, na formação e capacitação, sem afastá-los do meio em que vivem”, ressalta o senador Luís Carlos Heinze (RS), vice-presidente da Frencoop, também empenhado em agilizar a tramitação do PL 8.824/2017 no Senado e na busca de recursos federais para financiar os projetos de conectividade rural das cooperativas. 

Para ele, a expansão da conectividade rural por meio das cooperativas é o melhor caminho para a melhora da eficiência do processo produtivo e da permanência do homem no campo. 

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POTENCIAL PARA CRESCER

Das 4.868 cooperativas com registro ativo na OCB, 246 são do Ramo de Infraestrutura. 

Juntas, elas beneficiam diretamente 1,4 milhões de cooperados e geram 7.366 empregos.

91 dessas cooperativas (37%) atuam na distribuição de energia com potencial para oferecer serviços de acesso à internet nas regiões onde atuam.

Fonte: Anuário Brasileiro do Cooperativismo 2021, com dados referentes a dezembro de 2020.

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Esta matéria foi escrita por Rosana de Cássia e está publicada na Edição 34 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação


Onde tudo começou

A Inglaterra tem 177 anos de tradição no cooperativismo. Foi lá — mais especificamente, em Rochdale —, que surgiu a primeira cooperativa do mundo. Apesar disso, nosso modelo de negócios ainda não é amplamente conhecido na terra da rainha Elizabeth, nem nas outras três nações que compõem o Reino Unido: País de Gales; Escócia, e Irlanda do Norte.

O cooperativismo tem se transformado em uma terceira via econômica ao longo da história, sendo uma alternativa justa e socialmente responsável ao capitalismo e ao socialismo. Acontece que ele ainda não é amplamente divulgado para a sociedade. Para  ganhar mais espaço aqui na Grã- Bretanha, seria importante dar mais publicidade ao movimento”, afirma Rose Marley, presidente da Co-operatives — entidade de representação equivalente ao Sistema OCB no Reino Unido. 

Como é possível perceber, o desejo de tornar o cooperativismo amplamente conhecido por sua capacidade de gerar trabalho, renda e felicidade para as pessoas não é um desejo apenas das cooperativas brasileiras, mas de suas irmãs britânicas. Afinal, em momentos de crise como o que estamos vivendo — por conta da pandemia da Covid-19 — as pessoas ficam mais abertas  a mudanças e passam a apostar em modelos de negócios capazes de reaquecer a economia. E o cooperativismo sempre fica mais forte em cenários como esse. 

Quer uma prova?  As coops britânicas tiveram quatro vezes menos probabilidade de falir em 2020 do que outras empresas, de acordo com o anuário The Co-op Economy 2021, divulgado pela Co-opertives do Reino Unido em 28 de junho. Além disso, apenas 1,5% das cooperativas foram dissolvidas no ano passado, em comparação com 6,5% das empresas  mercantis.

O relatório revela, ainda, que o número de cooperativas composto por membros de clubes esportivos comunitários, associações de habitação e de crédito, também está crescendo no Reino Unido. Para completar, a receita total do setor aumentou de 38,6 bilhões de libras para 39,7 bilhões de libras —, um acréscimo de 2,8%.

“Historicamente, somos um modelo de negócios conservador em relação aos riscos do mercado financeiro. Quando a pandemia chegou, estávamos com a saúde econômica em dia. Foi esse conservadorismo que nos manteve vivos. Além disso, tivemos a união dos cooperados. A combinação de baixos níveis de dívidas e risco, e a cooperação de todos foi fundamental para passar pela instabilidade econômica causada pela pandemia”, destacou Ben Reid, CEO da Midcounties, maior cooperativa do Reino Unido, especializada na comercialização de produtos e serviços variados, como alimentos, viagens e cuidado com crianças.

DIFERENCIAIS

Além de criarem oportunidades de emprego e renda, as cooperativas britânicas oferecem serviços de qualidade a custo competitivos. Um detalhe muito importante do movimento de cooperativas daquele país é a união, a força dos cooperados. 

Quando os problemas vêm, os cooperados se apoiam. A pandemia reforçou a necessidade de cooperação e deixou à mostra as desigualdades. Foi um momento importante para as pessoas entenderem o movimento cooperativista e para a interação das cooperativas no Reino Unido”, revelou Reid.

A fórmula da resiliência cooperativista está na união dos envolvidos. Segundo Rose Marley, da Co-operatives UK, as coops britânicas conseguiram se manter ativas e em crescimento durante a pandemia. 

“As cooperativas são negócios resilientes e sustentáveis, que ajudam a reduzir as desigualdades sociais. Isto acontece porque tanto os cooperados quanto as cooperativas reinvestem o que ganham na economia local”, explica Rose. 

 Além disso, sempre que ocorre uma crise econômica, as cooperativas têm o cuidado de pensar localmente. “Como as decisões nas cooperativas são tomadas pelos cooperados, que são pessoas da própria comunidade, eles priorizam o bem- estar de todos e pensam sempre nos impactos de longo prazo de suas ações; j. Já investidores comuns, priorizam o lucro e tomam decisões com base em retornos a curto prazo. As cooperativas, pacientemente, acumulam, reinvestem as reservas e usam o capital dos membros sempre que possível, em vez de acumular dívidas para alcançar um crescimento mais rápido”, esclarece.

Justamente por isso, nenhuma organização tem tanta capacidade de se adaptar aos períodos de recessão econômica como as cooperativas. O anuário “The Co-op Economy 2021” — produzido no Reino Unido — revela que as cooperativas têm mais chances de sobreviver nos próximos cinco anos do que outros modelos de negócio, por colocar as pessoas em primeiro lugar.

O coração de cada cooperativa sempre foi a ideia de que, ao nos unirmos, todos podemos melhorar nossa situação e garantir que ninguém seja deixado para trás”, endossa Rose Marley. 

Vale destacar:  o cooperativismo desempenha papel fundamental na trajetória dos países para um desenvolvimento sustentável e equitativo, que vai muito além da geração de empregos. Embora a participação das cooperativas ainda no produto e no número total de empresas seja relativamente pequena na maioria dos países, sua promoção e expansão pode ser um instrumento relevante para o cumprimento dos objetivos econômicos, sociais e ambientais do país.

EQUIDADE DE GÊNERO

Outro diferencial importante do cooperativismo britânico: a forte presença de mulheres na liderança das cooperativas. De acordo com Rose Marley, no Reino Unido, esse é o modelo de negócios que tem mais líderes mulheres, seja no ramo crédito, agropecuário ou de pequenos negócios. “No Reino Unido, nota-se uma presença maciça das mulheres nas lideranças das cooperativas. Isso tem a ver com o propósito e com a motivação das cooperativas”, revelou. 

Para reforçar esse dado, o Reino Unido conta com uma grande líder cooperativista (a primeira mulher presidente da Aliança Cooperativa Internacional): Pauline Green, referência para o recém-criado Comitê Nacional de Mulheres Cooperativistas do Brasil. 

De acordo com o Reid, a trajetória de Pauline é brilhante. “Ela atravessou o ‘teto de vidro’ , porque conseguiu chegar onde nenhuma mulher tinha ido antes. O movimento cooperativista no Reino Unido tem como princípio a justiça em relação à raça e ao gênero. Pauline é a pessoa que concretiza esse princípio e torna-se uma inspiração para as mulheres no mundo. Como ela, chegamos em um lugar muito melhor.”.

ADAPTAÇÃO

Desde o início da pandemia da Covid-19, as cooperativas britânicas tiveram de mudar a forma de realizar negócios. A maioria delas aderiu às novas tecnologias, como as plataformas de comunicação que viabilizam reuniões on-line para manterem-se ativas durante o período de isolamento social, que foi bastante rígido em todo o Reino Unido. 

Ben Reid, da Midcounties, destaca que essas ferramentas se tornaram muito significativas, por viabilizarem reuniões on-line entre os cooperados e entre os colaboradores de uma cooperativa. “Essas tecnologias permitiram que os negócios funcionassem de casa. Essa mudança foi positiva e será mantida, assim como o trabalho remoto, em alguns casos”, defendeu Reid, que também é membro do Conselho da Aliança Cooperativa Internacional (ACI).


EM NÚMEROS

Existem no Reino Unido 

7.237 cooperativas que, juntas, melhoram as vidas de

13,9 milhões de cooperados

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Um pouco de história....

O Reino Unido é o berço do cooperativismo no mundo. Foi lá que nasceu essa filosofia transformadora, que mudou a forma como a humanidade busca o desenvolvimento econômico e valoriza as pessoas. O movimento cooperativista foi criado por um grupo de trabalhadores —, em grande parte, tecelões —, durante a Revolução Industrial, como forma de sobreviver ao aumento do desemprego e aos baixos salários pagos pelas indústrias europeias.

Criada em 1844, por 28 operários —– 27 homens e uma mulher —-, no bairro de Rochdale-Manchester, no Reino Unido, a Sociedade dos Probos de Pioneiros Rochdale (Rochdale Quitable Pioneers Society Limited) foi a primeira cooperativa a surgir no mundo. Esse grupo se reuniu várias vezes durante um ano para definir os princípios de um novo sistema econômico, diferente das empresas existentes na época. O sucesso da iniciativa passou a ser exemplo para outros grupos.

O grande feito dessa organização foi ter redigido um estatuto social que estabelecia objetivos mais amplos para o empreendimento e definia normas igualitárias e democráticas para a constituição, manutenção e expansão de uma cooperativa de trabalhadores. Essas normas, depois de serem debatidas em congressos internacionais, foram adotadas universalmente como princípios cooperativistas. 

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Esta matéria foi escrita por Gabriela do Vale e está publicada na Edição 34 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação