Mercado de carbono: como as cooperativas fazem parte dessa estratégia climática?
Um dos principais legados da COP30 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas) foi a operacionalização do Artigo 6.4 do Acordo de Paris com um mecanismo global para o mercado de carbono.
Você sabe o que significa esse conceito? É um sistema internacional que permite gerar e negociar créditos resultantes da redução ou remoção de gases de efeito estufa. Esses créditos podem ser usados por países ou empresas para cumprir metas de redução de emissões, incentivando investimentos em projetos de mitigação.
Os créditos são gerados em projetos que reduzem, evitam ou removem gases de efeito estufa, como iniciativas de reflorestamento (porque as árvores capturam CO2), de energia renovável (que emitem menos que combustíveis fósseis), ou de tratamento de resíduos (que evitam as emissões produzidas em aterros). E é aqui que as cooperativas entram nessa história.
No Brasil, a lei que regulamenta o mercado de carbono nacional e estabelece o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) foi sancionada em dezembro do ano passado e está em fase de regulamentação, ou seja, da definição de como vai funcionar. Por enquanto, as instituições brasileiras que geram ou compram créditos de carbono já atuam em mercados internacionais voluntários.
Segundo estudo recente da ICC Brasil e da Way Carbon, o Brasil pode gerar até US$ 100 bilhões de receitas em créditos de carbono até 2030. O enorme potencial do país nesse mercado está diretamente ligado à agropecuária sustentável, às energias renováveis e à preservação e recuperação de florestas, atividades com grande capacidade de geração de créditos de carbono. E o cooperativismo está em todas elas. Na agropecuária, por exemplo, mais da metade da produção de grãos do país passa pelas cooperativas.
Durante a COP de Belém, o cooperativismo participou de debates sobre o mercado de carbono nas duas principais áreas da conferência: a Blue Zone, onde ocorrem as negociações oficiais entre os países; e na Green Zone, que reúne contribuições da sociedade civil e do setor produtivo para o enfrentamento das mudanças climáticas.
Em painel realizado pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) na Blue Zone, o consultor ambiental do Sistema OCB, Leonardo Papp, destacou que o mercado de carbono só será bem-sucedido se equilibrar eficiência econômica e equidade social e que é preciso tropicalizar as metodologias utilizadas para adequar o sistema de créditos à realidade brasileira.
Já no Pavilhão do Coop, na Green Zone, cooperativas de diferentes regiões do país participaram do painel Cooperativas e descarbonização: protagonismo na transição energética justa, em que apresentaram soluções concretas em energia renovável, setor com grande potencial no mercado de carbono.
Conheça dois exemplos de cooperativas brasileiras que atuam no mercado de carbono em diferentes estágios:
Da floresta ao mercado global
Na Ponta do Abunã, em Rondônia, um grupo de agricultores familiares fundou há mais de três décadas a Cooperativa Agropecuária e Florestal do Projeto RECA. Desde o início, o propósito foi claro: produzir sem destruir. A estratégia foi apostar em sistemas agroflorestais, recuperando áreas degradadas e preservando as matas nativas da Amazônia.
Com o tempo, esse compromisso se transformou em ativo ambiental. Em parceria com a Natura, a cooperativa deu origem a um dos primeiros projetos de carbono do Brasil, que recompensa o esforço de conservação realizado pelos cooperados.
O projeto mede o carbono estocado nas florestas preservadas e converte essa quantidade em créditos de carbono. Esses créditos são adquiridos pela Natura, que os utiliza para neutralizar parte de suas emissões. O valor arrecadado retorna aos agricultores da cooperativa, fortalecendo a renda e estimulando novas práticas de conservação.
“O projeto de carbono veio para valorizar o esforço de conservação das áreas que os produtores sempre cuidaram”, explica Gicarlos Souza, gerente comercial e coordenador da cooperativa. “O resultado é triplo: ambiental, social e econômico. A cooperativa ganha mais um produto no portfólio e reafirma seu papel como referência em sustentabilidade”.
A Cooperativa Agropecuária e Florestal do Projeto RECA foi uma das representantes do cooperativismo brasileiro na COP30.
Fazendas mais verdes
No interior de São Paulo, a Fundação Coopercitrus Credicitrus (FCC) está ajudando produtores rurais a replantar o futuro. Ligada a duas cooperativas – Coopercitrus e Sicoob Credicitrus – a instituição atua em uma das regiões com maior déficit de cobertura vegetal do estado e oferece suporte técnico para que propriedades rurais participem do mercado de carbono.
"Nosso papel é articular e mobilizar diferentes parceiros e recursos que viabilizem e impulsionem a restauração ambiental", explica Bóris Alessandro Wiazowski, consultor de sustentabilidade da Coopercitrus. A fundação conecta produtores rurais interessados em recuperar suas Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reservas Legais a um ecossistema de apoio. A FCC elabora o projeto técnico, oferece acompanhamento de engenheiros florestais e estrutura a iniciativa para gerar créditos de carbono a partir de metodologias com reconhecimento internacional.
Ao aderir ao programa, o produtor rural cooperado ganha em diversas frentes: recebe apoio técnico especializado, tem parte do reflorestamento custeado, vê sua propriedade se valorizar e, em muitos casos, observa o aumento do fluxo de água com a recuperação de nascentes.
"Nos últimos três anos, restauramos mais de 350 hectares e recuperamos mais de 1 mil nascentes. Com o mercado de carbono ganhando força, temos a oportunidade de buscar novos investidores e alavancar o alcance e os benefícios desse projeto", complementa Wiazowski.
A meta é ambiciosa: restaurar mais de 50 mil hectares nos próximos anos, um resultado com impacto direto para o produtor e para toda a sociedade. Além disso, com a participação de dois cases da cooperativa na COP30, a expectativa é que as possibilidades de parcerias na geração de créditos de carbono sejam ampliadas em breve.
“Já temos o conhecimento da área de atuação, das áreas a serem restauradas, dos produtores interessados, de parceiros para a restauração e para a validação técnica do projeto, permitindo a geração dos créditos de carbono. Estamos trabalhando de forma ativa na busca de recursos financeiros que permitam expandirmos as áreas a serem reflorestadas”, pontua o consultor.
Apoio especializado
Para que as cooperativas desenvolvam projetos como esses, fazendo a sua parte para enfrentar a crise climática, é preciso medir, relatar e reduzir suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) com padrão internacional. Para isso, o Sistema OCB lançou, em 2023, a Solução Neutralidade de Carbono, iniciativa que oferece ferramentas para esse processo.
Atualmente, 18 cooperativas participam da solução, com inventários de gases de efeito estufa publicados no Registro Público de Emissões e com relatórios de oportunidade de descarbonização."Só se gerencia aquilo que é medido e essa solução tem promovido uma mudança cultural importante, ajudando as cooperativas a comprovar sua contribuição para descarbonizar a economia e gerando oportunidades de compensação. Na COP30 já apresentamos alguns exemplos reais dessa transformação sustentável”, destaca Alex Macedo, coordenador de Meio Ambiente do Sistema OCB.
Além do apoio técnico, o Sistema OCB atua na esfera regulatória e defende, ativamente, que a implementação do mercado de carbono nacional – chamado de Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) – reconheça as particularidades do cooperativismo, que é formado por milhões de pequenos e médios produtores. “Defendemos um modelo com transparência e integridade, a integração com mercados internacionais e o desenvolvimento de métricas adaptadas à realidade brasileira”, explica Macedo.
Saiba mais sobre as ações do cooperativismo brasileiro para combater as mudanças climáticas e a participação na COP30 no site especial Coop na COP.