O que os cooperados pensam sobre a boa governança?
Em 2022, os cooperados da Cooxupé produziram mais de cinco milhões de sacas do grão. De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento, o número representou 15% da produção nacional de café arábica e 23% da produção deste tipo de café em Minas Gerais.
O desempenho da cooperativa cujos cooperados entregam seus cafés a granel — benefício que trouxe mais competitividade, economia e qualidade de vida dentro e fora das lavouras — conta com a ajuda de pessoas como Felipe Henrique Ernesto e Balbina Oliveira, funcionários do Laboratório de Classificação da Cooxupé.
Dona Balbina, 56 anos, atua há 17 anos na classificação. Sua função é torrar café e “auxiliar os meninos na prova”, além de separar as mesas para degustação e auxiliar neles também. E ela se sente grata com o trabalho. “Gosto muito do que faço. A Cooxupé é muito boa para a gente, aqui há muito benefício, então me sinto feliz e honrada. É daqui que eu tiro o sustento da casa”, confessa.
Em relação à governança da cooperativa, ela só enxerga vantagens para funcionários e cooperados. “Ajuda muito na melhoria do trabalho e da vida das pessoas. E na produtividade e funcionamento da cooperativa”, acredita. “Aqui, temos liberdade com os gerentes e com a gestão. Eles estão sempre perguntando o que a gente acha, o que a gente vê, no que precisamos melhorar”, garante. De acordo com Dona Balbina, a Cooxupé é um espaço aberto onde todos têm voz e vez para continuar buscando melhorias contínuas.
Seu colega Felipe Henrique Alípio Ernesto, 32 anos, também é funcionário do Laboratório de Classificação da Cooxupé, cooperativa que o tem como colaborador há 16 anos. Hoje, Felipe é degustador de café, uma função que considera bastante prazerosa.
Imaginem só, passei metade da minha vida trabalhando na Cooxupé. Aprendi a profissão de degustador de café aqui, então a cooperativa faz parte da minha vida. O que tenho profissionalmente, a minha bagagem, a minha profissão, eu consegui tudo aqui nesses 16 anos”, conta Felipe, que sempre trabalhou no Departamento de Qualidade, formado por algumas subdivisões. “A gente entra bem menino, passa por todos os processos da classificação até se formar como degustador”, explica.
O degustador de café, aliás, tem plena consciência de como a governança cooperativa ajuda a melhorar os resultados da Cooxupé e a performance dos funcionários. Ele acredita que a principal característica da cooperativa “é a clareza como ela trata os negócios”.
Temos uma boa liderança e a gestão é transparente. E os números que a Cooxupé têm apresentado nos últimos anos deixam isso bem claro”, analisa o funcionário que afirma ter uma boa relação com os gestores e que considera a cooperativa como uma escola. “Tudo o que eu aprendi os meus gestores me ensinaram com clareza. É uma troca. Eles me passam conhecimento e eu dou o meu melhor como colaborador”, ensina.
GERAÇÕES
Cooperado há apenas dois anos, Daniel Castro, 35 anos, chegou à Cooxupé pelas mãos do pai, associado há mais de duas décadas. “Na época em que comecei a trabalhar com café, eu não tinha escritura no meu nome, então não consegui entrar. Depois, começaram a fazer parceria por contrato e eu peguei um contrato com meu pai. Agora, tenho as minhas propriedades cadastradas aqui”, explica Daniel, que considera a Cooxupé uma ótima parceira nos negócios, na hora de comercializar o café, na troca de insumos, na relação e no convívio ótimo. “Eles dão assistência para a gente e incentivos. É uma troca interessante”, agradece o cooperado.
O relacionamento diário com os cooperados ocorre ao mesmo tempo em que a cooperativa investe na modernização de sua estrutura, algo que atualmente inclui armazenagem para mais de 6 milhões de sacas de café; laboratórios de controle de qualidade e análise de folha e solo; centro de distribuição e cinco unidades industriais responsáveis, incluindo o Complexo Industrial Japy, empreendimento voltado para a logística da cadeia produtiva do café e que conferiu à Cooxupé o pioneirismo da granelização.
A sustentabilidade é outro pilar da governança da cooperativa, que tem buscado reduzir o impacto ambiental de suas atividades, diminuindo o consumo de recursos naturais e reduzindo a emissão de gases poluentes, por exemplo.
Ano passado, a Cooxupé lançou o Gerações, um protocolo de sustentabilidade concebido com foco no consumidor do futuro, que tem suas decisões de consumo pautadas pela agenda ESG — sigla em inglês para meio ambiente, responsabilidade social e governança.
O Gerações apresenta requisitos e compromissos a serem cumpridos tanto pela cooperativa quanto seus cooperados, levando em consideração o tamanho da produção, localização geográfica, experiências, objetivos, atividades e recursos.
A Cooxupé possui, ainda, uma estrutura de suporte junto aos cooperados que permite, principalmente, a participação de pequenos produtores nos programas de sustentabilidade, exigência atual do mercado. Esse apoio consiste no fornecimento de insumos e máquinas, na segurança à assistência técnica e de crédito, e na transparência no comércio do café. Atualmente a cooperativa é composta por 48 unidades de negócios, que incluem: a matriz (em Guaxupé), núcleos, filiais, unidades avançadas, postos de atendimento e o escritório de exportação em Santos.
ROTA SEGURA
A Cooxupé nasceu do diálogo entre gestores, cooperados e funcionários de uma cooperativa agrícola de crédito, que começaram a se reunir para discutir os desafios da cooperativa e os possíveis caminhos para que ela pudesse continuar a crescer. Tudo isso, de forma democrática, com regras claras para a participação e a tomada de decisões, bem como para a eleição de líderes e a prestação de contas.
A governança cooperativista adotada não só fortaleceu a confiança entre os membros, como aumentou a transparência e melhorou a eficácia da gestão. Ela também fortaleceu o espírito de cooperação entre os associados, que passaram a trabalhar mais unidos e a tomar decisões mais bem fundamentadas, o que se refletiu em uma melhoria das condições de vida dos envolvidos.
A boa gestão também fortaleceu a capacidade da Cooxupé de se relacionar com a comunidade local. Um dos projetos de maior sucesso é a Fazenda Experimental, uma parceria entre a cooperativa e o Instituto Federal do Sul de Minas Gerais — instituição de ensino superior com foco na formação de agrotecnólogos.
Sem a Cooxupé, nossa Fazenda Experimental não existiria”, reconhece Eduarda de Oliveira, engenheira agrônoma, supervisora do Centro de Validação Tecnológica do Instituto Federal Sul de Minas Gerais. “Ela nos apoiou, desde o começo, de forma técnica e financeira. Fomos crescendo juntos e, hoje, muitos ex-alunos ocupam cargos de liderança dentro da cooperativa. Então a gente tem esse intercâmbio muito bacana com a cooperativa. Ao vir aqui, eles conhecem os nossos alunos e, depois, futuramente, acabam empregando muitos deles.ˆ
Essa trajetória mostra como a governança pode fortalecer as cooperativas e melhorar a vida das pessoas. Com apreço pelo social e cuidado nas relações e tomadas de decisão. O mesmo cuidado que requer o cultivo de café — preparar o solo, escolher as mudas, plantar, manejar as plantas, observar a florada, colher, processar, secar, beneficiar, armazenar e vender —, além de atenção aos detalhes em cada uma das etapas com a finalidade de garantir a qualidade e a sustentabilidade da produção.
Detalhes que podem ser observados em aspectos da governança cooperativa adotada pelo Cooxupé, baseada na democracia, participação e respeito entre todas as partes, com a valorização dos direitos de gestores, cooperados e funcionários. Com todos sabendo que as melhores práticas de governança envolvem metas claras, incentivam a participação ativa de todos os membros, criam mecanismos de responsabilização eficazes e desenvolvem processos para avaliar os resultados.
Parece simples. E é. Com trabalho e parceria.
ENTREVISTA
Fernando Lucindo, 43 anos, especialista em Direito Cooperativo e membro da Comissão de Direito Cooperativo da OAB/MG e da Comissão de Direito Cooperativo da OAB/SP
Como a participação dos cooperados é incorporada ao processo de governança?
A participação dos cooperados no processo de governança das cooperativas é fundamental e existem ferramentas e soluções tecnológicas para dinamizar esse processo. A realização de Assembleias Virtuais e Semipresenciais assíncronas é um exemplo, apesar de termos importante crítica quanto a falta de segurança jurídica na aferição da identidade soberana do cooperado que participa virtualmente (assunto que podemos comentar e aprofundar em outra oportunidade). Obviamente, o processo de governança com a participação dos cooperados envolve muito mais fatores do que a “simples” e importante participação em assembleias. A transparência na gestão dos negócios, a capacitação do quadro social, o trabalho na sucessão dos gestores, enfim, todo o processo de educação, formação e informação é melhor incorporado à governança das cooperativas a partir de uma mudança de cultura, que também envolve a adoção dessas ferramentas.
Quais as consequências da má governança e como elas podem ser evitadas?
As consequências são desastrosas e podem levar a liquidação e encerramento das atividades da cooperativa, como comumente observado em vários casos. A cooperativa, observadas suas peculiaridades e características, deve ser concebida como um empreendimento e deve adotar os melhores processos de organização, planejamento e gestão, tal como as empresas mercantis. Uma governança cooperativa bem conduzida, principalmente se integrada aos programas do Sistema OCB, especificamente o PDGC (Diagnóstico Governança e Gestão – Avaliacoop) é o melhor caminho para se evitar as consequências de uma governança mal conduzida.
Como a cooperativa pode garantir uma gestão eficiente e eficaz dos recursos financeiros e humanos?
O constante aprimoramento dos dirigentes e do quadro social, seja nos aspectos técnicos de operação e gestão quanto da identidade cooperativa, principalmente a partir dos preceitos lógicos da ACI (Aliança Cooperativa Internacional) garantem uma formação e consciência de uma governança proba e eficiente e conforme a natureza cooperativa. Conduzir a gestão de forma profissional, a exemplo do que paralelamente se observa na gestão das Sociedades Anônimas e o dever de resultados dos Executivos frente aos Acionistas – obviamente guardadas as devidas peculiaridades de uma Sociedade Cooperativa que não foca na produção do lucro, mas na prestação de serviços a seus cooperados. A formação, educação e informação do quadro social, bem como a preparação profissional dos gestores são essenciais nesse processo.
Qual é o papel da educação e formação dos cooperados na melhoria da governança cooperativa?
Em todos os níveis da sociedade cooperativa é fundamental para a governança eficiente a efetiva vivência do quinto princípio do cooperativismo: “Educação, Formação e Informação”. Essa é a fórmula mais eficaz para todos contribuírem para o desenvolvimento econômico, social e ambiental. Sócios, representantes eleitos, administradores e empregados constantemente qualificados contribuem para o desenvolvimento da cooperativa e da sociedade onde exerce suas atividades, cumprindo, assim, sua natural finalidade e gerando benefícios coletivos.
Esta matéria foi escrita por Freddy Charlson e Rita Frazão e está publicada na Edição 41 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação